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Acadêmico: José Renato Nalini Ainda há esperança na humanidade quando se vê o que um empresário lúcido e consciente pode fazer.
Heróis de 2022 Quando se está prestes a perder a esperança, tamanha a desenvoltura com que a desfaçatez, a insensatez, a insânia, a volúpia voltada à obtenção de lucro imediato, sem se importar com o amanhã, prosperam neste pobre Brasil, uma boa notícia reacende a fagulha da esperança, quase apagada no que restou de crença na humanidade. É a notícia de que ainda existe gente ética e lúcida neste planeta. Gente que sabe da fragilidade efêmera da existência pessoal. Compreende que a cada um de nós, é conferido viver apenas algumas décadas. Não mais. Esse o tempo em que teríamos de provar que nossa chegada melhorou o mundo e não contribuiu para acabar com ele, como a maioria parece acatar como destino inquestionável. Quantos ricos só se preocupam em amealhar, atropelando ética e caridade e só deixando problemas para os seus descendentes? Quantas famílias se esfacelam, assim que é aberta uma sucessão? Ou, o que é mais lamentável ainda, antes mesmo que ela se abra? Heranças de pessoas vivas são disputadas no cruel jogo da ambição. Passa-se por cima de um futuro cadáver, pois os pais ainda não partiram e já colhem esse presente amargo: filhos que têm pressa na apreensão dos bens paternos. Essa generalizada busca do vil metal, a troca de uma alma insensível pelo dinheiro, parece não ter seduzido Yvon Chouinard, que se tornou bilionário com a sua Patagônia. A empresa foi fundada em 1973 para fabricar roupas destinadas a esportistas. Bem-sucedida, fez de seu criador um bilionário. Em lugar de vender a Patagônia ou de abrir o seu capital, ele, sua mulher e seus dois filhos adultos transferiram a empresa avaliada em três bilhões de dólares a um fundo e a uma organização sem fins lucrativos. Estas duas entidades foram criadas para preservar a independência da empresa e garantir que todos os seus lucros – algo em torno de cem milhões de dólares anuais – sejam utilizados para combater a mudança climática e proteger terras inexploradas em todo o planeta. Que lição para governos irresponsáveis, que estimulam a destruição da cobertura vegetal e anistiam criminosos e para todos os demais milionários que discursam, falam em ética e só miram seus exclusivos investimentos! O empresário tem oitenta e três anos, assim como sua mulher, Malinda, e seus filhos Fletcher e Claire, estão na casa dos quarenta anos. Foi uma família criada à luz de uma ética praticamente sepulta no mundo empresarial. Sua mensagem é clara: “Esperamos que isso influencie uma nova forma de capitalismo cujo resultado final não seja criar alguns poucos ricos e uma porção de pobres”. A corajosa atitude da família Chouinard teve um custo adicional ao seu desprendimento altruísta. O governo dos Estados Unidos arrecadou dezessete e meio milhões de dólares em impostos. É a fome do Erário, aqui também presente com o ITBI, que garante caixa extra ao Estado perdulário. Não custa lembrar que o Brasil tem uma das mais pesadas cargas tributárias do planeta e oferece serviços públicos que não são compatíveis com esse elevado ônus. Nos Estados Unidos também não se incentiva a generosidade. A família não recebeu qualquer dedução ou benefício fiscal por sua doação, ao contrário do que se apregoa. Existe, sim, é verdadeiro desincentivo. O milionário doador de fundos para o Partido Republicano, Barre Said, doou também 100 de sua empresa de eletrônicos, mas ganhou benefícios ao entregar um bilhão e seiscentos milhões para financiar causas exatamente contrárias às visadas pelos Chouinard: bloquear a ação contra a mudança do clima. Egoísmo em estado puro. Inconsequências de céticos do aquecimento global. O desprendimento com que agiram Yvon Chouinard, mulher e filhos, algo insólito no universo restrito e egoísta dos bilionários, também não acarretou afago ao seu ego, pelo fato de serem considerados hoje a família mais caridosa dos Estados Unidos. O doador é um homem simples e de hábitos de certa forma exóticos. Usa roupas velhas, dirige um Subaru detonado, suas casas são modestas e não tem computador, nem celular. Sua empresa foi a primeira a usar algodão orgânico, a criar creches no local de trabalho para seu pessoal e há décadas doa um por cento de seu faturamento a ativistas ambientais. Ainda há esperança na humanidade quando se vê o que um empresário lúcido e consciente pode fazer. Humanidade que – se encarada pelo que acontece neste nosso Brasil, poderia ser considerada um fracasso do projeto do design inteligente. Infelizmente, ao contrário do vírus do egoísmo, da ira, do ódio, da intolerância, este “vírus do bem” não costuma contaminar muita gente. Publicado no Blog do Fausto Macedo/Opinião/Estadão Em 10 10 2022 voltar |
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