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USINA DE CIDADANIA
Acadêmico: José Renato Nalini
O Registro Civil das Pessoas Naturais é uma verdadeira usina de cidadania.

Usina de cidadania

O Registro Civil das Pessoas Naturais é uma verdadeira usina de cidadania. O serviço estatal encarregado de acompanhar o brasileiro desde o seu nascimento até depois de sua morte, está em todos os lugares. Testemunhei que lugarejos, povoados, pequenos distritos, onde não existe o menor sinal de presença do Estado, contam com o registrador civil. Às vezes, trabalhando na sala de sua residência, ou numa garagem adaptada.

Sim, porque a delegação estatal a que todos recorrem, que atende – indistintamente – a todas as pessoas, é a mais desassistida pelo Estado. Ele delega funções estatais imprescindíveis, e torna gratuita a prestação. Tudo bem que as pessoas tenham acesso gratuito a tais serviços. Mas não há almoço grátis. Ou seja: essa prestação tem um custo. Custo que deveria ser coberto pelo Estado. É sua obrigação.

Principalmente num Estado que tem “orçamento secreto”, a surreal jabuticaba podre de uma República que precisa de urgente imersão ética. Ou de uma nação que faz crescer os “Fundões”, para satisfazer o exibicionismo self da política profissional, com seus quarenta partidos que só servem para patrocinar carreiras meteóricas no Parlamento e no Executivo.

Seja como for, o Registro Civil das Pessoas Naturais continua na linha de frente. Agora, com a tecnologia disponível, oferece mais uma alternativa para solucionar problemas comuns aos brasileiros pobres. Sim, os abonados têm por si vasto instrumental jurídico e os melhores talentos na advocacia. Já os desassistidos ainda continuam com dificuldade de acesso aos canais postos à disposição da cidadania e por esta sustentados. Pois o Estado nada mais é do que uma sociedade de fins gerais, encarregada de permitir que em seu interior vicejem todas as sociedades particulares – desde a família, a escola, as demais instituições – mas também os indivíduos. Estado é servo do indivíduo. Isso parece heresia num país que deixa sem comida milhões de nacionais e sem educação de qualidade quase todos eles.

A tecnologia deve estar a serviço das pessoas e o Registro Civil das Pessoas Naturais supriu deficiências de um Estado que não considerou a gravidade da pandemia, ficou como barata tonta, até que o STF definisse a responsabilidade de todos os entes da Federação. Algo que sequer precisaria de manifestação da Suprema Corte, pois claramente explicitado no pacto fundante desde 1988.

Foi o Registro Civil das Pessoas Naturais que permitiu o levantamento dos óbitos, o que levou a coesão de órgãos de imprensa e demais entidades a um exercício eficiente de contabilização das perdas, essencial para o cálculo das futuras necessidades. Próximas ou remotas.

O Registro Civil das Pessoas Naturais é o órgão mais adequado para o recenseamento contínuo da população, desnecessária a convocação ad hoc de recenseadores que não têm a expertise dos registradores. Sem os gastos extraordinários para essa obrigação estatal hoje deficitária, pois o censo deveria ter sido realizado em 2020 e ainda está em curso capenga.

Mas há perspectivas promissoras para aumentar ainda mais a credibilidade e a eficiência do RCPN: Letícia Bombo menciona o exemplo de Moçambique, citando Frederico Schardong, professor de informática no Instituto Federal do Rio Grande do Sul. Como há cerca de três milhões de “indocumentados” no Brasil, a receita fácil seria que ao surgir a necessidade de um documento pela primeira vez, se permitisse que o interessado fizesse uma autodeclaração por uma plataforma eletrônica.

Está disponível uma consistente cadeia eletrônica suficiente para localizar todas as pessoas no Brasil, cadastrá-las sob número único, para tal servindo o CPF. No afã de arrecadar, o governo soube dotar as Receitas de todo o equipamento mais atualizado. Que isso possa servir também para identificar aquele brasileiro invisível, que nunca teve o seu registro de nascimento constante de um assento e que, por isso, ainda não tem certidão comprobatória.

Há condições de se realizar isso e o Registro Civil das Pessoas Naturais tem a competência necessária para dar cabo de mais esse desafio. Se a eficiência levada a cabo na Receita Federal estivesse realmente a serviço da cidadania, não haveria recorrentes notícias de desvio na concessão dos auxílios emergenciais, evidente falha do sistema quando o foco não é receber tributos. O país de mais pesada carga tributária no planeta tem obrigação de ser também eficiente quando se cuida de edificar a Pátria justa, fraterna e solidária prometida pelo constituinte de 1988.


Publicado no Blog do Fausto Macedo/Opinião/Estadão
Em 09 10 202



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