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UM PAÍS BIZARRO
Acadêmico: José Renato Nalini
Numa República em que a transparência na destinação do dinheiro do povo foi substituída pelo sigilo, tudo é possível.

Um país bizarro

O ser humano é vocacionado à liberdade. Todavia, ela não é absoluta. Há condicionantes sobre as quais não somos questionados. Ninguém escolhe nascer dentro de determinada família, numa época e lugar selecionado, com algumas características físicas das quais não se escapa.

Sobra ainda muita liberdade para optar por um caminho ou por outro, para escolher rotas e alternativas. Mas esses pontos fundamentais são inquestionáveis. Podem predispor a pessoa a uma espécie de destino previsível.

Quem nasceu no Brasil, por exemplo, vive num país bizarro. Para ser eufemístico, pois outros adjetivos talvez fossem mais adequados.

Por exemplo: o brasileiro é sacrificado por um sistema tributário excessivamente oneroso, para a péssima qualidade dos serviços que o Estado oferece. Mais de cinco meses por ano são destinados a arrecadar para o governo. Este ainda aflige o contribuinte fazendo com que ele tenha obrigações acessórias que roubam precioso tempo à convivência familiar, ao entretenimento, ao lenitivo a uma vida cada vez mais sufocada pelas requisições e oprimida pelo desalento.

Mencione-se, por exemplo, que o brasileiro se submete a quatro contribuições obrigatórias: contribuição associativa, confederativa, assistencial e sindical. Como o susto pode ser ainda maior, fala-se em restauração do imposto sindical. Como o Congresso atua na calada da noite, sem submeter projetos de lei às Comissões e como o nefasto “Centrão” só pensa em se locupletar às custas do Erário, não está inteiramente afastada a possibilidade de retorno desse pesadelo.

Essa ameaça foi recentemente relatada por José Pastore, numa conferência feita na FIESP, no seu Conselho Superior de Estudos Nacionais e Política – COSENP, presidido pelo ex-Presidente Michel Temer.

Outra bizarrice foi a pressão para que o Brasil ratifique a Convenção 190 da OIT – Organização Internacional do Trabalho, em relação a assédio. Ninguém é a favor de assédio, moral ou sexual. Mas existe uma verdadeira paranoia, a legitimar ação de tutela ao trabalhador, não só no seu ambiente de trabalho, mas também durante o trajeto e numa amplitude insuscetível de adequado funcionamento desse instrumental protetivo. Pois inclui também os aprendizes, estagiários e candidatos a emprego. Como viabilizar um esquema de tamanha abrangência?

No afã de bem servir às finalidades para as quais foi convertido na instituição mais poderosa da República, a partir de 1988, consta que o Ministério Público faz incluir em seus TACs – Termos de Ajustamento de Conduta, o inteiro teor dessa Convenção 190, aprovada em 2019, e até agora adotada por dezenove países.

Idêntica a volúpia para exato cumprimento da LGPD – Lei Geral de Proteção de Dados. Algo que sempre me pareceu paradoxal: uma sociedade de “selfies”, de intenso exibicionismo, de conquista dos minutos de celebridade que hoje são alguns segundos, diante dos tic-tocs e demais invencionices nas redes, quer conciliar valores antagônicos. Vive-se a República da transparência ou da integral proteção da intimidade? Quem escolhe mostrar-se e postar a cada minuto sua face sorridente nos instagram, faz realmente questão de privacidade?

Mas numa República em que a transparência na destinação do dinheiro do povo foi substituída pelo sigilo, tudo é possível. Quem acreditaria, na formulação pura e original da democracia, que houvesse Parlamento no século 21 que optaria por “orçamento secreto” e que legitimasse “sigilo por 100 anos” para encobrir malfeitos – outro eufemismo para esconder o que é crime hediondo?

É bizarro um país em que a política deixou de ser o empenho em bem servir à comunidade para o exclusivo interesse na satisfação de vaidades e da “aura sacra fames”, a famélica deturpação de caráter que faz a criatura só pensar em dinheiro e poder. Sem recordar que tem algumas décadas apenas para fazer valer o seu ingresso – involuntário, apesar disso – neste planeta que está sendo destruído por ignorância e por cupidez.

E pensar que há não muito tempo, vereadores eram profissionais que se dispunham a oferecer uma noite por semana – gratuita e espontaneamente – a ajudar a cidade a ser melhor. De repente, a política se converteu em profissão rendosa. Capaz de fazer os candidatos gastarem mais em suas campanhas, do que o total de remuneração a ser obtido nos primeiros quatro anos. Pois a “matriz da pestilência” chamada reeleição os fará permanecer à frente do poder até poderem legá-lo para os seus descendentes. Não é mesmo bizarra esta República Federativa do Brasil?

Publicado no Blog do Fausto Macedo/Opinião/Estadão
Em 07 10 2022



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