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Acadêmico: José Renato Nalini Não se pode agredir impunemente o indefeso ambiente, nem colocar em risco a sobrevivência da vida neste maltratado planeta.
Começa devagar, mas pode crescer Diante do descalabro com que se trata o ambiente, os que se condoem da situação da natureza e se angustiam com o futuro podem perder o alento. Afinal, depois de tanta esperança cultivada na década de setenta, quando o Brasil despontava como “potência verde”, é realmente frustrante assistir ao desmanche de toda essa estrutura. Tanto administrativa, nos organismos de tutela ecológica, quanto as estruturas mentais, que vão sendo solapadas, de tanto se repetir inverdades. Tenho me amparado em duas résteas de possibilidade, antes que venha o desastre total. A primeira é a preocupação do setor financeiro. Empresários não são inocentes. Sabem que o aquecimento global é real, também conhecem a fuga à responsabilidade de governos transitórios que só querem enriquecer enquanto gerindo o Erário, não desconhecem a ignorância irrestrita, fruto de premeditado plano de impedir educação de qualidade para a massa. Entretanto, dependem de lucro. Lucro legítimo. Este poderá ser afetado se as mudanças climáticas persistirem. Avaliam os prejuízos recentes e calculam os futuros. Precisam intervir nessa balbúrdia. Isso é o que legitima o surgimento de agenda ESG, pensar simultaneamente em proteção ao ambiente, reduzir as desigualdades sociais e trilhar uma governança corporativa consistente. Com vistas a não perderem o negócio, no qual investiram bastante, vão tomar providências substitutivas à inação governamental. Inação frequentemente substituída por intencional programa de extermínio da cobertura vegetal, de desmatamento acelerado, de distribuição de terra pública a grileiros e exploradores clandestinos de minerais, boicote às demarcações indígenas e perseguição a todas as pessoas que se consideram amigas da natureza. Nessa linha, os países compradores de nossos grãos podem boicotar as importações, pois têm conhecimento de que grande parte dessa produção foi obtida mediante desmatamento. Essa vertente que vincula ecologia ao bolso é muito interessante. Não há outra linguagem para os que alegam desmatar para plantar soja ou para fazer pasto. Quando perceberem que o golpe falhou, talvez sejam obrigados a reverter suas posturas. Que não seja tarde demais. Outra linha que pode mudar a catástrofe em pleno e acelerado curso é a busca do Judiciário. Buscar ressarcimento na Justiça Nacional e também nas Cortes Internacionais, para responsabilizar por prejuízos as empresas – e governos – que deem causa a danos ambientais difusos e também a perdas perfeitamente mensuráveis e sofridas por pessoas determinadas. Há exemplos que podem inspirar os corajosos. É preciso coragem para litigar no Judiciário, tamanha a burocracia, a imprevisibilidade e a lentidão. E também a recorrente vitória do “senso comum”, aquelas verdades emboloradas que não percebem a radical mudança da sociedade mundial. Sociedade em busca de uma Justiça consequente, eficiente e célere. Um episódio pode levar brasileiros a essa opção. Uma demanda levada a efeito por Christoph Bals, diretor da ONG Germanwatch, levou o peruano Saul Luciano Lliuya a cobrar reparação pelos danos causados pelas mudanças climáticas. A ideia partiu de pesquisas sobre a “ciência de atribuição”, ou seja: a quem pode ser atribuído o prejuízo pelo aumento de emissões de gases venenosos? O alvo desse processo judicial foi a RWE, empresa alemã de energia, responsável por 0,47 de todas as emissões produzidas por pessoas na era industrial. O percentual de emissões foi a base de cálculo para o valor da demanda, fixado em vinte mil dólares, o equivalente a parte do custo total previsto de uma obra de infraestrutura para reduzir os riscos na Laguna Palcacocha, no Peru. O pleito judicial teve início em 2015. Três juízes do tribunal estadual superior de Hamm aceitaram o caso e passaram à fase de coleta de evidências. Especialistas foram nomeados e o feito está em curso. Embora ainda não haja solução definitiva, um bom sinal é o processo ter tido sequência em lugar do sumário indeferimento, ocorrência comum quando o Judiciário se vê questionado em relação a temas pioneiros. Essa iniciativa do Peru pode significar a mudança de mentalidade e fazer com que também no Brasil, os causadores dos malefícios venham a ser acionados para responderem por eles. Sabe-se que a recuperação integral da natureza é impossível. Mas uma sanção pesada pode desestimular os infratores de continuarem em sua tarefa assassina de exterminar o amanhã. Toda jornada começa com o primeiro passo. Este é tímido, algo ainda pequeno, mas por que não acreditar na vitória do bom senso e da Justiça? Não se pode agredir impunemente o indefeso ambiente, nem colocar em risco a sobrevivência da vida neste maltratado planeta. Publicado no Blog do Fausto Macedo/Opinião/Estadão Em 06 10 2022 voltar |
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