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Acadêmico: José Renato Nalini O principal perigo que ronda a humanidade não é guerra nuclear, nem pandemia. É o aquecimento global, produzido pela insensatez humana em um planeta frágil
Dois furacões mudarão nossa vida Tenho reafirmado como verdadeiro mantra, que o principal perigo que ronda a humanidade não é guerra nuclear, nem pandemia. É o aquecimento global, produzido pela insensatez humana em um planeta frágil. Obcecado pela insanidade que leva o Brasil a extinguir seu maior patrimônio antes mesmo de conhecê-lo, tenho deixado de observar que há fatores igualmente poderosos e que já estão tomando conta de nosso modo de viver, sem que prestemos a devida atenção. Falo na mutação profunda acarretada pelas tecnologias da Quarta Revolução Industrial, notadamente o advento da Inteligência Artificial. O notável Ruy Castro, em recente artigo – “A inteligência artificial é burra” – comenta que sistemas eletrônicos domésticos programados para executar tarefas ao comando de voz do usuário estão tomando decisões por conta própria. Até mais grave do que isso, o impacto que ela causa ao sistema econômico merece prontidão de parte dos pretensiosos humanos. O australiano Brett King é considerado um futurólogo do setor financeiro global e escreveu um livro instigante: “A ascensão do tecnossocialismo: como desigualdade, Inteligência Artificial e clima vão moldar um novo mundo”. Ele desenhou quatro cenários para o futuro. Num primeiro, constata a imensa falha nos governos, que não tomam providências imediatas quanto às catástrofes resultantes do mau uso dos recursos naturais, principalmente a eliminação das florestas. No segundo, aborda a rejeição à tecnologia, principalmente a Inteligência Artificial, diante da ameaça que ela acarreta à empregabilidade. O terceiro cenário é o neofeudalismo, uma espécie de supercapitalismo impulsionado pela Inteligência Artificial e o quarto o que ele chama de tecnossocialismo. Inverte aquela equação marxista de que os trabalhadores dominariam os meios de produção, para profetizar que a tecnologia permitirá que cidadãos dominem a economia de uma forma completamente diferente. Um realinhamento do papel do capitalismo e dos mercados na sociedade. O duplo impacto das mudanças climáticas drásticas, verdadeiramente catastróficas, e o avanço das tecnologias e das revoluções que o uso combinado de várias delas ocasionará, produzirão um angustiante estresse. Os governos terão de prestar atenção às grandes massas de migrantes ambientais, que fugirão dos espaços desprovidos de água em busca do líquido milagroso que ainda houver em nações mais prudentes. Como a Costa Rica, por exemplo. O Brasil também seria um destino e refúgio natural para milhões de seres humanos ameaçados pelas catástrofes ecológicas. Resta saber se haverá verde suficiente de maneira a garantir água para todos. Os governos, queiram ou não, terão de ser mais eficientes. A cidadania usuária da Inteligência Artificial, aprenderá por si mesma a cobrar serviços melhores, mais rápidos e menos dispendiosos. É uma forma de educação acelerada, que compensará o iletramento nutrido pela irresponsabilidade estatal. Isso é o que Brett King chama de tecnossocialismo: uma cidadania exigente, atenta e crítica. Evidente que a Inteligência Artificial vai fazer estrago nos empregos. Quantas agências bancárias já deixaram de existir? Os bancos serão totalmente informatizados. Por que não optar de imediato por aquilo que não pode ser feito pela máquina? Recolher sementes – estamos num período em que os ipês espalham suas levíssimas películas reprodutivas pelas ruas das cidades – fazer mudas, formar agricultores afinados com a ecologia, peritos em reprodução. Levar a sério a urgência do replantio de milhões de árvores dizimadas pela ignorância, que rima com ganância. Isso é aquilo de que o Brasil mais precisa agora. A multiplicação de postos de trabalho vinculado à natureza é obrigatória e a variedade de tarefas abertas à juventude é inesgotável. Pense-se nas startups que explorarão a biodiversidade para criar medicamentos, produtos de beleza, alimentação natural e nutritiva, tudo disponível na exuberância gratuitamente ofertada a um povo que não quis enxergar a sua riqueza. O ecoturismo, a observação de pássaros, a ciência da reprodução de orquídeas híbridas, que garantiria um bom produto de exportação brasileiro, muito melhor do que a produção de grãos para alimentar gado estrangeiro. Esse o dever de casa que só é apreendido por pessoas sensíveis, e estas existem numa escala muito inferior à das necessidades. A mudança do clima implica em mudança filosófica. A escala das transformações, diz Brett King, é similar à da Segunda Guerra Mundial em termos bélicos. Para salvar a humanidade do cataclismo ambiental, não se pensará em custos. Estes são irrelevantes, quando se atentar para o que está em jogo: a continuidade da espécie. Publicado no Blog do Fausto Macedo/Opinião/Estadão Em 04 10 2022 voltar |
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