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CASAMENTO IMPERIAL
Acadêmico: José Renato Nalini
Os brasileiros se esquecem de que também já tiveram uma família imperial. Gente de primeiríssima qualidade. Muito diferente do que se dispõe hoje em dia.

Casamento imperial

Comovidos com a morte de Elizabeth II, que tanto impregnou nossa vida que todos nos sentimos um pouco órfãos de uma tia distante, os brasileiros se esquecem de que também já tiveram uma família imperial. Gente de primeiríssima qualidade. Muito diferente do que se dispõe hoje em dia. Uma família que também honrava suas tradições e sabia cumprir com os seus compromissos. Nunca deixo de lamentar o que o Brasil fez com o estadista humanitário e magnânimo chamado Pedro, nosso segundo Imperador.

Pobre Pedro II. Órfão de mãe desde cedo, o pai português o deixa no Brasil e volta para Portugal, com a finalidade de defender o trono para Maria da Glória, outra filha dele. A vida do adolescente não foi fácil. Além do treino exaustivo para um futuro Imperador, ele inspirou aos homens de Estado que o cercavam, um zelo muito especial: arranjar-lhe um bom casamento. Não para fazê-lo feliz, coberto de carinhos e mimos. Mas para investir em vantagens dinásticas, políticas e até morais.

O novel Império precisava mostrar-se estável e com vocação de perenidade. Dependia de sua prole a continuidade do reino. O único império americano se amparava sobre três crianças: os pequenos “braganças”, o menino Imperador e suas irmãs Januária e Francisca.

Sobravam princesas casadoiras na Europa. O tratamento dispensado pelo primeiro imperador à mãe de Pedro II não animava as melhores casas da nobreza no Velho Mundo. Como observa Argeu Guimarães, no livro “Em torno do casamento de Pedro II”, “perdurava, na vasta seara de louras altezas, um sopro de temor, apesar das belas coisas que se contavam sobre o porte, a inteligência e o caráter do moço imperante. Era quase um príncipe perfeito. Ao contrário do pai, metido, desde a puberdade, em aventuras mais ou menos escabrosas, o filho, sob o olhar vigilante do bispo de Crisópolis, e, ainda mais, obedecendo às tendências do próprio temperamento, não se precipitou nos prazeres do mundo. Contentava-se, alegrava-se, com o severo ambiente de família, nos muros e nos jardins de São Cristóvão”.

Discreto, polido, reservado, elegante. Conservaria tais qualidades no longo reinado que terminaria tão mal, com a perfídia ingrata de gente que com ele convivia e lhe rendia homenagens, na velha e perseverante tática de usufruir das benesses do poder. Vício inextirpável, pois perdura até hoje, no maior descaramento. E com mediocridade potencializada.

Essa constatação – possuir um herdeiro da melhor qualidade – fornecia elementos para a diplomacia brasileira não se valer de ficções para desenhar o perfil do noivo. Era-lhes propício “apresentar com ufania, nas casas reais do Velho Mundo, infestadas de taras dolorosas e irremediáveis, aquele príncipe de tão primorosa formação e dotes invulgares…O balanço deixava-nos, sem dúvida, um crédito positivo, entre a realidade e o mistério”.

Já se falava no casamento de Pedro II antes mesmo de sua maioridade. Estava com treze anos, prestes a completar catorze. As negociações diplomáticas para o casamento foram iniciadas após a lei de 1840, de interpretação do Ato Adicional. O Imperador concordou que as tratativas mirassem a Casa d’Áustria. Era de toda a conveniência que tanto o Imperador como a Princesa Imperial se casassem com Habsburgos, sob as bênçãos do tio, Sua Majestade Apostólica Fernando II.

Todavia, a escolha recaiu sobre a princesa Teresa Cristina Maria, irmã de Fernando II das Duas Sicílias. Isso porque Metternich tratou com aparente descaso a primeira intenção dos diplomatas tupiniquins. Enquanto ele não decidia, outros se adiantaram e se fixaram sobre a italiana, três anos mais velha do que o Imperador. O encarregado de Nápoles no Rio, Gennaro di Merolla, propunha oficialmente o casamento e a 20 de maio de 1842, o futuro barão de Cairu assinou com Vincenzo Ramires, em Viena, o contrato nupcial.

Teresa Cristina nascera em Nápoles exatamente no ano da Independência: 1822. Filha do Rei das Duas Sicílias, Francisco I (1777-1830) e da rainha Maria Isabel (1789-1848). Casou-se por procuração, em Nápoles, a 30 de maio e em 4 de setembro de 1843, no Rio de Janeiro, com Pedro II. Ele com dezoito, ela com vinte e um anos de idade. Morreu no Porto, a 28 de dezembro de 1889, pouco tempo depois da viagem da expulsão dos Imperadores destronados.

Ela já estava muito enferma em 15 de novembro. Sem saber o que estava acontecendo, foi maltratada, ficou trancafiada com a família imperial, sem qualquer alimentação e à noite conduzida ao navio que levaria os banidos à Europa.

É justo homenagear Elizabeth. Mas alguém se lembrou de que este ano dever-se-ia celebrar os duzentos anos de nascimento da nossa Imperatriz Teresa Cristina?

Publicado no Blog do Fausto Macedo/Opinião/Estadão
Em 03 10 2022



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