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NÃO FALE DO QUE NÃO CONHECE
Acadêmico: José Renato Nalini
Se todos aqueles que falam sobre o ambiente conhecessem melhor a situação brasileira, não haveria tanto despautério perpetrado continuamente.

Não fale do que não conhece

O Brasil, além de iletrado, é o país do achismo. Todos têm opinião sobre tudo. Mesmo sem saber do que se está falando. Mais uma vez, invoque-se Umberto Eco. Ele foi o autor de uma expressão muito repetida: antes da internet, os tolos falavam para os que estavam no botequim. Com a internet, a tolice ganhou o mundo. Tudo pode viralizar e as bobagens crescem profusamente.

É comum ouvir que o aquecimento global não existe. Que o Brasil tem muito verde e que o agronegócio, atividade que salvou a lavoura da combalida economia tupiniquim, precisa de mais espaço. Legitima-se a extinção da floresta, encomenda-se até cálculo de “especialistas” que afirmam ser exagerada a tutela ecológica no Brasil. Chegam a afirmar que temos mais verde do que território. Aquela velha, surrada e falaciosa ideia que soma a reserva florestal, mais os parques estatais, mais as APPs, mais as demarcações indígenas. Tudo somado, há vários territórios preservados.

Só que a verdade é que nos últimos três anos, perdemos uma área equivalente à do Estado do Rio de Janeiro: 59 dela na Amazônia. Ali são derrubadas dezoito árvores por segundo. Árvores que levaram décadas ou até centenas de anos para crescer. O dado é real, fornecido pelo MapBiomas, do Observatório do Clima.

É evidente – e cientificamente provado – que o desmatamento agrava a emissão de gases causadores do efeito estufa. Desflorestar virou o esporte nestas plagas, prioritariamente praticado por infratores.

Quem quiser saber mais o que significam as florestas para a vida humana – e para toda espécie de vida sobre o planeta – deve ler bons livros. Quatro deles foram recomendados por André Caramuru Aubert (Estado de 20.8.22). São “Como as florestas tropicais formaram o mundo e a nós”, de Patrick Roberts, “Sempre verde – salvar as grandes florestas para salvar o Planeta”, de John Reid e Thomas Lovejoy, “A linha das árvores – a última floresta e o futuro da vida na Terra”, de Bem Rawlence e “Sob os tempos do equinócio – oito mil anos de história na Amazônia Central”, de Eduardo Neves.

O “Sempre Verde” é a proposta mais abrangente. Mostra o planeta inteiro, minudencia a questão climática, mostra os problemas e também as soluções. É verdadeiramente alucinante saber que vinte novas espécies de macacos foram descobertas na Amazônia desde o ano 2000. Quantas delas já não se extinguiram pelo crime organizado que extermina nosso futuro?

Há 1.300 espécies de pássaros catalogadas na Amazônia, mas o pesquisador Mario Cohn-Haft já identificou, sozinho, mais de outras três mil, ainda não classificadas. As florestas são um tesouro. Não só porque garantem a continuidade de clima essencial à sobrevivência das espécies, mas porque sua riqueza ainda não inteiramente conhecida, pode salvar a economia. Salvar a floresta em pé é o melhor negócio. Ainda rende com a venda de créditos de carbono.

Parece um contrassenso fazer da Zona Franca um conglomerado de indústrias de eletrônicos, em lugar de incentivar startups de biotecnologia. A história demonstra que a melhor maneira de preservar florestas é entregá-las ao cuidado indígena. Isso acontece na Nova Guiné. Não se pensa o quanto o Brasil ganharia com o ecoturismo, com o extrativismo, com as indústrias farmacêuticas e de estética, no aproveitamento de um patrimônio natural ainda não explorado, mas que acabará antes de ser conhecido.

Nossos antepassados pouparam as florestas. Por isso sobreviveram. Nós estamos acabando com elas. Teremos sobreviventes?

A Amazônia é o nosso maior trunfo para este século, se soubermos tomar conta dela e não deixar mais cortar uma árvore sequer. Seja como for, procure conhecer a situação antes de tomar partido. Integrantes do próprio governo que estava mais interessado em “soltar a boiada” admitem que não seria necessário cortar árvores, mas ser perfeitamente possível o aproveitamento de áreas ociosas abandonadas por terem se tornado improdutivas.

Aliás, o Brasil já se comprometeu com o restante do mundo, zerar o desmatamento até 2030. Faltam apenas sete anos para chegarmos lá. Alguém acredita que o desflorestamento cessará como por encanto? E o reflorestamento? O plantio de um bilhão de árvores que foram covardemente serradas para ceder área para pasto, alguém está levando esse compromisso a sério?

Se todos aqueles que falam sobre o ambiente conhecessem melhor a situação brasileira, não haveria tanto despautério perpetrado continuamente, em todos os espaços e até – lamente-se! – naqueles habitados por pessoas cultas, escolarizadas e que se autointitulam perfeitos exemplares da mais ética cidadania já produzida nesta Terra de Santa Cruz.

Publicado no Blog do Fausto Macedo/Opinião/Estadão
Em 27 09 2022



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