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UM PLANETA MAL HABITADO
Acadêmico: José Renato Nalini
A natureza já não sabe mais o que fazer para tentar despertar a compaixão do bicho-homem. Manda todos os sinais possíveis.

Um planeta mal habitado

A Terra é um planeta infeliz. Veio a ser habitado por um ser ganancioso e pretensioso, além de insensível. Por isso ela prescindirá dessa criatura danosa e continuará os seus movimentos de rotação e de translação, porém liberada da espécie humana.

Aquilo que parecia remota profecia de catastrofistas converteu-se em cruel verdade. Houve intensa concentração dos gases venenosos, causadores do efeito estufa na atmosfera neste fatídico e emblemático 2022. Rick Spinrad, diretor da Administração Nacional Oceânica e Atmosférica, conhecida na sigla em inglês por NOAA, organismo do governo norte-americano, afirmou que “os dados apresentados neste relatório são claros: seguimos vendo mais evidências científicas convincentes de que as mudanças climáticas têm impactos globais e não mostram sinais de desaceleração”. Ao contrário: registram-se recordes e mais recordes, rumo à eliminação da vida e ao caos.

A coisa poderia ser ainda pior – como se fora possível – não tivesse ocorrido a pandemia. Esta implicou em drástica redução nas emissões de combustíveis fósseis ante a desaceleração da economia graças ao Covid-19.

Os dados técnicos não despertam a atenção da turba, mais empenhada em se alimentar, pois a fome atinge quase quarenta milhões de brasileiros. Mas a concentração dos gases na atmosfera atingiu 414,7 partes por milhão (ppm) em 2021, 2,3 ppm a mais do que em 2020.

Não comove os frenéticos que se armam e acreditam que as armas de fogo representam um fator de segurança, tomar conhecimento de que esse é o mais alto nível atingido no último milhão de anos! Pense-se o que significa um milhão de anos para quem vive algumas décadas. Ou seja, é um flash instantâneo, sequer registrado pelo encadeamento da história, que passará e não deixará lembrança, como já ocorreu com os bilhões de humanos que habitam este sofrido pequeno astro desta galáxia inferior.

Simultaneamente, o nível do mar subiu como está subindo há dez anos, sem intervalo. Chegou ao recorde de 97 milímetros acima da média em 1993, quando tiveram início as medições por satélite.

É pouco? Mas pense-se na quantidade de água que recobre a Terra. Houve muito derretimento para produzir tal acréscimo. É que 2021 foi um dos seis anos mais quentes já registrados desde a metade do século 19. Os últimos sete anos foram os mais tórridos desde que se costumou apurar a temperatura deste nosso habitat.

Não é só. As tempestades tropicais se intensificaram e o furacão Rai matou quase quatrocentas pessoas nas Filipinas em dezembro e o Ida varreu o Caribe e se tornou o segundo furacão mais violento a atingir a Louisiana, somente superado pelo Katrina.

A natureza já não sabe mais o que fazer para tentar despertar a compaixão do bicho-homem. Manda todos os sinais possíveis. As cerejeiras de Kyoto, no Japão, a cidade dos mil templos, alguns de ouro, floresceram fora de época. Isso só havia acontecido antes no ano da graça de Nosso Senhor Jesus Cristo de 1409.

O Brasil não passou ileso. Lembram-se dos deslizamentos e inundações na serra fluminense? E o excesso de chuvas na Bahia, Pernambuco e Minas Gerais? E os incêndios espontâneos, competindo com os praticados pelos dendroclastas que ouviram o chamado mórbido e sórdido para “soltar a boiada” e acabar com todos os biomas tupiniquins, a começar pela Amazônia.

Incêndios também ocorreram em Portugal, Espanha, oeste dos Estados Unidos e até na Sibéria. Enquanto isso, a camada de gelo da Groenlândia derrete a olhos vistos. Sem dúvida, isso atingirá a vida de centenas de milhões de seres humanos.

A Terra, como um todo, não toma conhecimento da verdadeira catástrofe. Seus líderes assinam acordos, como o de Paris, em 2015, prometendo limitar o aquecimento global a um grau centígrado e meio acima dos níveis pré-industriais. Ficção! Promessa descumprida!

Não há inocentes nessa empreitada premeditada, levada a efeito por governos inconsequentes e insanos, sem que a população se indigne, se revolte e ponha cobro à delitiva insensatez. Se a Terra tivesse ficado exclusivamente com a vida vegetal e com a vida animal inadequadamente chamada irracional, talvez não se encontrasse em tal situação miserável. Mas ela vai continuar a existir. Os homens é que desaparecerão.

Publicado no Blog do Fausto Macedo/Opinião/Estadão
Em 26 de setembro de 2022




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