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A ‘BUCHA’ DA SÃO FRANCISCO
Acadêmico: José Renato Nalini
Um dos temas sedutores é a existência da chamada “Bucha”, entidade que existiu, mas sobre a qual não há registro, vinculada à lenda de Júlio Franck.

A ‘bucha’ da São Francisco

Daqui a quatro anos São Paulo celebrará duzentos anos de criação da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco. Sua importância para nosso Estado e para o Brasil já rendeu inúmeras excelentes obras. Prevê-se uma intensificação nos próximos anos. Um dos temas sedutores é a existência da chamada “Bucha”, entidade que existiu, mas sobre a qual não há registro, vinculada à lenda de Júlio Franck.

Na biografia de Castro Alves, escrita por Pedro Calmon, destaca-se a menção à influência que essa espécie de sociedade secreta exerceu sobre o poeta do “Navio Negreiro”. Com a palavra, Calmon: “Nesse temo de tanto túmulo chorado pelo desengano dos poetas – o do alemão guardado pelas gerações como um tesouro mágico no pátio da Academia de São aulo, adquiria as proporções ideais de uma pirâmide escondendo a cifra das épocas: era lugubremente a arca de aliança da mocidade com o Século”.

Indaga o historiador: “Quem fora afinal Júlio Franck – que é o nome inscrito nesse mistério – para merecer o privilégio absurdo de jazer inviolavelmente, com os seus mochos de ferro dormitando nos ângulos do velho gradil, dentro da escola – como um príncipe feliz na penumbra de sua catedral? E que tinha com isto a maçonaria dos rapazes?”.

Todos os alunos mais célebres do Largo de São Francisco pertenceram à Bucha. “Compunham, ao que se dizia, a direção oculta da Bucha, nome familiar da Burschenschaft, que à maneira teutônica ali criara – por volta de 1839 – o enigmático Franck. Dessa organização clandestina metida nas “arcadas” como um ritual, um costume e um segredo de que todos sabiam a presença, sem ninguém denunciar o funcionamento – faltam informações escritas”.

Os relatos – e ouvi, principalmente, de Paulo Bomfim e do desembargador Onei Raphael Pinheiro Oricchio – diziam que seu chefe, a cada ano, transferia a chave numa cerimônia muito concorrida, ao novo cabeça da Bucha. Era sempre um aluno do quinto ano do bacharelado. Havia um conselho de doze “apóstolos”, eleito por todos os membros, que formavam três categorias: os “graúdos”, os “crentes” e os “catecúmenos”.

A “iniciação” dos catecúmenos culminava com solenidade entre tétrica e cômica: um juramento na escuridão, todos encapuzados à luz de velas e tochas. Um esqueleto emprestado à sala de anatomia utilizada para as aulas de Medicina Legal dava o tom lúgubre que os veteranos pretendiam criar.

Vários professores continuavam a frequentar, esporadicamente, esses encontros. Era uma espécie de confraria que socorria os necessitados, tudo em segredo e avessa a personalismos.

Uma das lendas correntes era a de que o cadáver que repousava naquele túmulo, dentro da Faculdade, não era o de Júlio Franck, modesto professor do cursinho pré-jurídico, também conhecido como “curral” na linguagem dos “bichos”. Seria Carlos Sand, um herói, símbolo da universidade liberal, mártir da Burschenschaft, que nascera em Wunsiedel, na Francônia e que em 1819 assassinara em Manheim o odioso Kotzebue, um feroz sequaz do tzar.

Narra Pedro Calmon que “o mistério de Franck, deveras fascinante, começou a ser tratado em 1930. Inspirou a Afonso Schmidt uma novela (1936) e a Gustavo Barroso (“História Secreta do Brasil”, 1937) uma análise, sem que se tenha podido decidi-lo à vista de papeis convincentes. Os costumes perpetuam-se na cerimônia anual da chave (descrita por Rodrigo Otávio em “Coração Aberto”. A sociedade, ao que parece, subsiste. Desapareceu um belo dia o retrato a óleo de Franck. Nem permitiu Alcântara Machado, quando dirigiu a construção da faculdade monumental em lugar do convento vetusto, que tocassem no túmulo enigmático, centro virtual das superstições acadêmicas e, enfim, a mais coerente das suas tradições”.

Tem-se deixado de falar na “Bucha”, nos seus rituais, assim como arrefecera o fervor acadêmico pelas bandeiras levantadas em defesa de nobres ideais, que só o universo jurídico sabe detectar, principalmente quando nuvens plúmbeas toldam o céu da Pátria e ameaçam a democracia.

Um sopro de esperança representou o encontro de várias gerações no último 11 de agosto, quando a São Francisco foi, novamente, o palco de leitura de “Cartas aos brasileiros”. Alerta oportuno, tomada de posição mais útil para o futuro da nação, do que atender a calendários escolares e a exaurir os conteúdos curriculares.

A vida exige mais do que teoria. O direito, quando apenas decorado, é inservível para defender a liberdade. Algo que a “Bucha” levava a sério e que deve servir de inspiração para a juventude do terceiro milênio.


Publicado no Blog do Fausto Macedo/Opinião/Estadão
Em 24 de setembro de 2022




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