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CASTRO ALVES EM SÃO PAULO
Acadêmico: José Renato Nalini
Um ídolo que morreu aos 24 anos, cultuou a liberdade e viveu anos intensos em São Paulo. Nunca chegou a se formar em Direito. Mas sua poesia é eterna.

Castro Alves em São Paulo

Em 1828, Olinda e São Paulo ganharam faculdade de leis. Desde então, passaram, tais cidades, a representar verdadeiros acessórios às escolas, tornadas principais. Converteram-se ambas em duas vibrantes coletividades universitárias. Aqui na Paulicéia, um coração vigoroso no mosteiro repleto de rapazes que copiavam Coimbra. Inclusive o Latim, menos as capas.

São Paulo crescera e civilizara-se. Passou logo de vinte para sessenta mil habitantes. Os sobrados vetustos ofuscados pelos primeiros palacetes dos barões do café. A promissora chegada de imigrantes estrangeiros. As exportações escoando pela Estrada de Ferro Santos a Jundiaí. As maravilhas das lavouras campineiras. Um clima de esperança em dias melhores e sorridentes.

Castro Alves morava com Eugênia Câmara no Hotel d’Itália, que ficava na esquina da rua Direita com São Bento. Mas logo tiveram de sair de lá. A habitação era muito cara para a sua mesada. Morou em três lugares em São Paulo, inclusive foi colega de república de Rui Barbosa. Essas mudanças também apressaram o fim do romance. Recolhendo-se à vida modesta, de terceiranista de direito, foi forçado a renunciar a Eugênia.

Isso coincidia com o encerramento do ciclo da escola byroniana, cujo último nome fora Fagundes Varela. Castro Alves encantou-se com José Bonifácio, o Moço. Ficou deslumbrado ao ouvir algumas de suas aulas. Era fiel o retrato que dele traçou Rui Barbosa: “A modesta cadeira de professor transfigurava-se; uma espontaneidade esplêndida como a natureza tropical borbulhava dali nos espíritos encantados; um sopro magnífico animava aquela inspiração caudal, incoercível, que nos magnetizava de longe na admiração e no êxtase”.

José Bonifácio ensinava o mais ameno direito civil deste mundo. A frase candente, o fervor e a simpatia, tudo fazia com que o professor fosse superado pelo estadista; o estadista, sufocado pelo poeta. Tamanho o encanto que José Bonifácio causou em Castro Alves, que ele se tornou liberal. Participou com entusiasmo do desagravo diante da queda do Gabinete dos liberais, gérmen do republicanismo. Declamou ao lado de Joaquim Nabuco e Ferreira de Meneses, a sua ode a Pedro Ivo.

Atuou no festivo desembarque de José Bonifácio na estação da Luz, saudado outra vez por Joaquim Nabuco e por ele, Castro Alves, o poeta dos escravos. O seu famoso poema estava quase pronto. Escrevendo a Augusto Guimarães, explicava: “Devo dizer-te que os meus “Escravos” estão quase prontos. Sabes como acaba o poema? (Devo a São Paulo esta inspiração). Acaba no alto da serra do Cubatão, ao romper da alvorada sobre a América, enquanto a estrela da manhã (lágrima de Cristo pelos cativos) se apaga pouco a pouco, no ocidente. É um canto do futuro. O canto da esperança”.

Sem prejuízo da atividade política, frequentava casas de amigos, era figura indispensável nos saraus elegantes. Em 7 de setembro de 1868, no Ginásio Literário, recitou o “Navio Negreiro”. Era o testemunho da ignomínia, o espantoso barco a levar a bordo o infortúnio da raça. A dor africana que rompe as vagas, o itinerário vergonhoso. “Importava denunciar, gritar, vociferar – não mais o horror do tráfico, extinto desde 1850, porém da traficância humana”, diz Pedro Calmon.

A plateia se entusiasmou. Cintilou e desde então, o poema passou a ser declamado em todos os auditórios, “como um raio golpeando o infinito. Desfraldara sobre a causa da liberdade, feito de luz e esperança, o auriverde pendão; batera na face da escravidão com as portas da América, decisivamente”.

Não parou aí. O seu “Gonzaga” foi apresentado no Teatro São José, com Eugênia Câmara. Outro estrondoso sucesso de Castro Alves. Martim Francisco relata o sucesso do poeta: “Voltam-se todos os olhares para o último camarote da segunda ordem à esquerda do palco, onde aparece o vulto bonito, proporcionado, popular, do moço baiano. Cabelos negros e ondeantes; voz larga e sonora; enunciação segura e como que virgulada; gesto e palavra, em indefectível consciência do auditório extasiado; assombroso o sucesso! Impossível imaginar recitação mais perfeita. Aplausos, muitos aplausos. Um triunfo completo da genialidade sobre a multidão, da poesia sobre a prosa, do indivíduo sobre o sentimento coletivo. Vê-se, percebe-se, que a alma da juventude acadêmica se orgulha do seu fator máximo, do seu ídolo predileto”.

Um ídolo que morreu aos 24 anos, cultuou a liberdade e viveu anos intensos em São Paulo. Nunca chegou a se formar em Direito. Mas sua poesia é eterna.

Publicado no Blog do Fausto Macedo/Opinião/Estadão
Em 18 de setembro de 2022





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