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Acadêmico: José Renato Nalini Convém lembrar que o mundo do direito está plúmbeo. Sofisticou-se, mas perdeu a poesia. Urge fazer com que ela volte.
Falta poesia ao direito? Dentro em pouco, celebrar-se-á o segundo centenário das Arcadas. Foi em 1827 que Pedro I, com a intenção de fornecer ao novel Império uma burocracia genuinamente brasileira, criou as duas primeiras Faculdades de Direito no Brasil. Com certeza, o bicentenário da São Francisco será comemorado com as pompas que faltaram ao 7 de setembro de 2022, convertido em cenário de palanque eleitoral. A exceção foi a inauguração do Museu do Ipiranga. Novamente São Paulo elevando o nível para que o significado do gesto de ruptura do vice-Reino com a metrópole não passasse em branco. A oportunidade de recordar dois séculos de Academia de Direito terá inúmeros enfoques, tamanha a relevância desse templo do saber jurídico na História do Brasil. Não poderá faltar o espaço reservado aos poetas. A São Francisco demonstrou que não fazem mal as musas aos juristas. Convém lembrar que o mundo do direito está plúmbeo. Sofisticou-se, mas perdeu a poesia. Urge fazer com que ela volte. Lygia Fagundes Telles gostava de falar sobre a “escola de morrer cedo” dos jovens poetas que passaram pelo Largo. Talvez o mais célebre deles seja Castro Alves. Nasceu na fazenda das Cabaceiras, em 14 de março de 1847. Na descrição de Pedro Calmon, “a fazenda era pobre, pastoril, enorme e tranquila”. Foi ali que Antônio Frederico de Castro Alves permaneceu até os cinco anos de idade. “Leopoldina, a mucama, foi a mãe de criação, fusco anjo da guarda, que o ensinou a dar os primeiros passos, acalentou-o ao som das cantigas, trouxe-o ao colo e lhe transmitiu, com o leite e o sorriso, com o carinho e a lágrima, toda a melancolia da senzala”. Tudo para Castro Alves era motivo para poetar. Todas as disciplinas de sua formação o conduziam a produzir poemas. Perdeu a mãe, o pai contraiu novas núpcias. Morre o primogênito da família, o que torna seu genitor intimamente destroçado. Em sua melancolia mórbida, entremeada de revolta, acusava enfaticamente a sociedade e o estúpido ensino que mandava separar da família os rapazes talentosos e deles exigia lampejos de gênio. Não queria filhos poetas, “estalando aos vinte anos a lira infeliz, doentios e lúgubres no seu destino de seres absurdos”. Castro Alves passou férias na Bahia, com a família, e ao voltar ao Recife, seu companheiro de viagem era Luís Nicolau Fagundes Varela, que se matricularia no 3º ano de Direito. Diz Pedro Calmon que “Varela, aos 24 anos, era um vencido. Publicara “Noturnas e Vozes da América” em 1861 e em 1864, enchera São Paulo com a turbulência e o lirismo, ainda sangrava da morte de um filho pequenino, e o pai, como último recurso para salvá-lo, o transferira para Pernambuco, longe das tabernas, da boemia, do descrédito em que se atolara”. Logo ficaram amigos. Varela trazia a experiência dos poetas estudantes que morriam na flor da idade. Às “Vozes da América”, de Fagundes Varela, replicaria Castro Alves com as “Vozes d’África”. Morre o pai e a família fica praticamente na miséria. Castro Alves matriculou-se no segundo ano em 1866, na Faculdade de Direito do Recife. Já estava apaixonado por Eugênia Câmara. Em 1868, ele estava em São Paulo. Veio por causa de Eugênia, atriz que procurava aplauso nos palcos paulistanos. Matriculou-se ele no terceiro ano, era o número 25, enquanto Rui Barbosa o 26. São Paulo era uma antítese do Recife. Ali, havia o azougue comercial do Porto de Pernambuco, no seu traço mascate, já importante núcleo econômico. São Paulo começava a despertar para o progresso. Mas a sua alma era a Academia, eram as Arcadas. “Suprimissem-nas, dizia Augusto Emilio Zaluar, em suas “Peregrinações pela Província de São Paulo” – e desapareceria São Paulo. Castro Alves, jovem, apaixonado, sonhador, enxerga a diferença: “Eis-me em São Paulo, na terra de Azevedo, na bela cidade das névoas e das mantilhas, no solo que casa Heidelberg com a Andaluzia. Nós, os filhos do norte, sonhamos São Paulo o oásis da liberdade e da poesia plantado em plenas campinas do Ipiranga. Pois o nosso sonho é realidade e não é realidade. Se a poesia está no envergar do poncho escuro e largar-se campo afora a divagar perdido nestes gerais limpos e infinitos como um oceano de juncos; se a poesia está no enfumaçar do quarto com o cigarro clássico, enquanto lá fora o vento enfumaça o espaço com a garoa; se a poesia está no espreitar de uns olhos negros através da rótula dos balcões ou através das rendas da mantilha que em amplas dobras esconde as formas das moças, então a Pauliceia é a terra da poesia”. Ainda é hoje a “terra da poesia”? Castro Alves admite preferir São Paulo ao Recife. Morava com Eugênia no Hotel de Itália. Sentia que ela o abandonaria em breve. Para compensar a tristeza, José Bonifácio, o Moço, foi seu Mestre e amigo. Castro Alves, o poeta da São Francisco, merece ao menos mais um texto. Aguardem! Publicado no Blog do Fausto Macedo/Opinião/Estadão Em 02 de setembro de 2022 voltar |
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