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Acadêmico: José Renato Nalini Ignoram que o solo amazônico é pobre. São poucos centímetros de terra, que dependem da preservação para garantir a manutenção do clima.
Profanação do sagrado O extermínio do futuro brasileiro não se intensifica apenas na quantidade de focos de incêndio, no volume de mata destruída, na invasão de áreas protegidas que estão na mira dos criminosos. Não: é uma tática nefasta qualitativa. Locais que estavam milagrosamente intactos, são profanados de forma inclemente. O massacre se tornou mais disperso. Espalha-se por todos os biomas. É mais ousado e mais célere. Como reação à crítica internacional, pois o mundo civilizado presta atenção naquilo que a selvageria proporciona àquele “Brasil promessa”, que já não existe, apressam-se os delinquentes a implementar a política do “fato consumado”. Já que se eliminou a cobertura vegetal, então que venha o pasto. Nunca se pensaria em reflorestar. Algo demorado, trabalhoso e dispendioso. Basta verificar o número de municípios que entrou para a lista dos alertas de devastação. Eram 1.734, ou 31,1 em 2019. Em 2021 passaram para 2.889, ou 51,9. No ano que vem, verificar-se-á que 2022 foi um ano ainda mais trágico para a potência ecológica transformada em “pária ambiental”, para incrível e inexplicável orgulho de alguns energúmenos. O grau de desertificação também aumentou. Multiplicaram-se os grandes desmatamentos, maiores do que cem hectares, o que equivale a dez campos de futebol. Quase 50 a mais, entre 2019 e 2021, do que nos anos anteriores. E a pressa de quem fabrica desertos foi impulsionada: enquanto se matava a floresta à razão de 139 hectares por hora em 2019, esse ritmo passou para 189 há/h em 2021. Isso porque não existe apenas impunidade. Existe um convite desbragado para que os inimigos da natureza atuem com desenvoltura. O aceno da “boiada” foi aceito e levado a sério. E o tesouro maior de que esta Pátria fora provida, a hileia amazônica, tornou-se o alvo preferencial. O Estado do Amazonas figurava em quarto lugar no volume de desmatamento. Mas agora é a segunda unidade da Federação mais comprometida. Superou Rondônia e Mato Grosso e só está atrás daquele espaço chamado Pará, onde a desgraça campeia livremente. Os municípios de Lábrea e Apuí, ambos no Amazonas, desmataram cerca de 13 de toda a cobertura vegetal calcinada na região. Tudo sob o simulacro do “progresso”, que se traduz por política de terra arrasada. O agronegócio é vencedor na produção de graus para alimentar gado estrangeiro. Os verdadeiros agricultores são conscientes. Só podem ser produtores ecológicos. Sabem que precisam de árvores e de chuvas. Precisam de água para o plantio e razoável colheita. Mas a ganância, que rima com ignorância, de grande parte do setor, prefere derrubar mais floresta. Não se convence de que o aumento da produção poderia prescindir do corte de uma árvore sequer, desde que se utilizasse – até para o replantio – o total de áreas ociosas. Aquelas que são abandonadas porque já não rendem o esperado. Ignoram que o solo amazônico é pobre. São poucos centímetros de terra, que dependem da preservação para garantir a manutenção do clima. Um clima que atende às necessidades vitais do Brasil inteiro e que ajuda a tornar a vida humana um pouco mais viável em todo o planeta. Acena-se com nociva expansão da fronteira agrícola, chamada Amacro – Amazonas, Acre e Rondônia – com o asfaltamento da BR-319, ligação entre Manaus e Porto Velho. O Ibama, desmontado propositalmente, concedeu licença para a obra, sem condicionante algum. O exemplo tétrico é o polo Matopiba – Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia – que teve desmatamento centenas de vezes maior! O caso emblemático é o do município de Aldeias Altas, no Maranhão, que de menos de 2km2 de desmatamento em agosto de 2018, chegou a 72km2 entre agosto de 2021 a julho de 2022. Uma alta de 3.714 de destruição, de acordo com o Deter, órgão que monitora a morte do verde brasileiro. Isso evidencia que de pouco adianta uma Constituição Ecológica, elaborada com a esperança de que o Brasil seria uma potência florestal a servir como exemplo para o planeta. Nem a tonelagem de legislação infraconstitucional, pois nada se cumpre nesta terra sem lei. Formalmente, existe uma democracia em funcionamento. Mas o Judiciário não consegue salvar esse tesouro irrecuperável, ocupado que está em salvar a própria pele, diante das ameaças emitidas contra a sua atuação de guardião da ordem fundante. O Brasil de 2022 é o mais escancarado e péssimo exemplo de profanação do sagrado: o ambiente que é o único disponível e sem o qual não haverá perspectiva de continuidade do projeto existencial humano sobre este maltratado planeta. Publicado no Blog do Fausto Macedo/Opinião/Estadão Em 19 09 2022 voltar |
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