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O LUGAR DA FRANÇA NO MUNDO
Acadêmico: Rubens Barbosa
O governo francês tem a prática saudável de reunir anualmente o presidente da República com os diplomatas franceses do Quai D’Orsay para discutir temas de interesse da carreira diplomática e os principais aspectos da política externa francesa.

O presidente Emmanuel Macron, depois de dois anos de interrupção em consequência da COVID, reuniu-se, como faz todos os anos, com os diplomatas do Quai Orsay (o Itamaraty francês) para discutir o futuro da carreira diplomática e da política externa, em um mundo em transformação, em especial, depois da guerra da Rússia na Ucrânia. O clima do encontro presidencial foi tenso em vista da reação negativa dos funcionários diplomáticos franceses às mudanças na “carriere”, aprovadas a toque de caixa por Macron, antes das eleições, para responder às críticas de elitismo. A reforma dos altos cargos da administração pública cria um corpo de administradores do Estado e prevê que os altos funcionários não sejam vinculados a uma carreira específica, mas possam mudar de minis térios regularmente ao logo da carreira. No serviço exterior, o cargo de embaixador poderá ser preenchido por funcionários de outros órgãos, os chamados Administradores do Estado. A Instituição reagiu com uma greve raríssima, mostrou as dificuldades para implementar a decisão pelo caráter específico do trabalho diplomático e enfatizou a inevitável politização das nomeações para os postos mais cobiçados. O Senado suspendeu a execução do decreto e reluta em aprovar a reforma.

Como não poderia deixar de ser, a guerra na Ucrânia teve um papel de relevo na apresentação de Macron. Criticado por ter tentado evitar as operações bélicas em conversas com Putin, o presidente francês reforçou suas críticas contra o líder russo e afirmou que a guerra deverá será longa e que a França deve estar preparada para essa possibilidade. Nessa linha, manifestou-se contra gestionar junto ao presidente da Ucrânia para a cessação das hostilidades e a busca de um entendimento para a negociação da paz, pois, nenhum ucraniano aceitará que sejam feitas concessões, especialmente territoriais. As relações da França com Putin e com a Rússia, no campo diplomático, estão em seu nível mais baixo, pelas san&cce dil;ões aplicadas por Paris e pelos gestos positivos em relação a Zelinsky. Em vista disso, Macron apesar de não se qualificar para tentar mediar uma solução pacífica para o conflito, observou que continuará a conversar com Putin para não deixar a Turquia sozinha no papel de interlocutora privilegiada para resolver problemas com a Rússia, como o escoamento da safra de grãos ucranianos, bloqueados por Moscou. Apesar da retaliação de Putin ao suspender o fornecimento de gás para os países da OTAN, Macron insistiu na necessidade da Europa manter-se unida, observando que a divisão no Continente é um dos objetivos russos da guerra. A fim de tranquilizar os parceiros europeus, a França e a Alemanha circularam documento que favorece a reorientação da política europeia a fim de prevenir outros atos de agressão e para que a guerra se conver ta em um fracasso estratégico para a Rússia.

O terceiro tema abordado por Macron foi o relacionamento com a China e as tensões em torno de Taiwan. Sem se preocupar com as possíveis reações de Washington, Macron afirmou que a França não tem intenção de entrar em uma lógica de confrontação com Beijing no mar do sul da China, nem estender alianças militares, como a OTAN, criadas para fins específicos na Europa, para o espaço Indo-Pacífico. Nessa questão, Macron se opõe claramente aos EUA que pretende, ao contrário da política da França e da Alemanha, colocar o Tratado do Atlântico Norte ativo também nas ações contra a China. Em um gesto que deve ter sido classificado de terceiro-mundista pelos formuladores de política em Washington, Macron afirmou de forma clara que “nós jamais fomos alinhados automáticos, nem vassal os de qualquer potência” Segundo o presidente francês, a França e a Europa devem construir uma “independência geopolítica” em relação a polarização EUA-China. “Não temos por que ser obrigados a escolher e devemos sempre manter esta liberdade de ação, disse apropriadamente Macron.

Foi anunciado também que o ministério do exterior francês vai criar uma secretaria estratégica na área de imprensa para lidar com a crescente guerra de informação. No contexto da radicalização das relações internacionais, o novo órgão vai acompanhar a mídia social e os sites da internet, mas também ser dotado de uma capacidade de reação às mensagens agressivas difundidas por regimes autoritários e pela mídia controlada por eles.

O governo francês tem a prática saudável de reunir anualmente o presidente da República com os diplomatas franceses do Quai D’Orsay para discutir temas de interesse da carreira diplomática e os principais aspectos da política externa francesa. Essa prática não existe no Brasil, mas o futuro governo deveria institucionalizar reuniões desse tipo com os funcionários diplomáticos do Itamaraty. A diplomacia e a política externa são vistas como não prioritárias pelos governos de turno e pelo Congresso Nacional. Por isso são praticamente ignoradas nas formulações de grandes políticas, a não ser, como agora, em que se busca aprovar legislação que permite a nomeação de parlamentares, sem perda de mandato, para a chefia de embaixadas no exterior, com o lamentável risco, como apontado para a Fr ança, de politizar o serviço exterior brasileiro.




Publicado dia 13 de setembro de 2022, no jornal O Estado de S. Paulo.



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