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A DEMOCRACIA É INDEFESA
Acadêmico: José Renato Nalini
Fácil detectar quais são os detratores da vida democrática. Os que trocam o diálogo pela arma.

A democracia é indefesa

Acostumados a considerar a democracia como algo insubstituível, pois o único regime garantidor de nossa liberdade, não conseguimos enxergar como ela é frágil e indefesa. Aberta a todas as manifestações, cônscia de que se deve assegurar à integralidade dos humanos a possibilidade de externar seu pensamento, abriga adversários insidiosos, que costumam arquitetar sua destruição, sob o beneplácito da ordem instituída.

É assim que uma sociedade inerte, porque frui de relativa desenvoltura democrática, permite que o inimigo cresça. E quem é esse inimigo?

Fácil detectar quais são os detratores da vida democrática. Os que trocam o diálogo pela arma. Um instrumento que existe para tirar a vida é um contrassenso. A tecnologia já produz substitutos que neutralizam, paralisam o violento, sem condená-lo à morte.

São também aqueles que criticam as instituições. Querem jogar a população contra o Poder Judiciário, função inerme e, reconhecidamente, o menos corrupto dentre os detentores de autoridade estatal. Desprestigiar a Justiça é aceitar que em seu lugar venham os “tribunais populares”, os cercadinhos que acusam, instruem, julgam e executam sem lei e sem princípios regedores dessa atuação.

Enfraquece a democracia banir o relacionamento polido e amistoso com nações tradicionalmente amigas, mas ideológica e temporariamente em terrenos antagônicos quanto à concepção de convívio esposada por seus transitórios governantes.

Emascula-se a democracia quando se desmancha sólida e consolidada rede tutelar de bens insubstituíveis, como a natureza, a biodiversidade, o maior patrimônio de uma nação, entregando-os à sanha assassina de organizações criminosas.

Procura-se contaminar a democracia com alusões à vulnerabilidade de um sistema eleitoral que desde 1996 funciona a contento, mostrando ao mundo civilizado que a coleta da opinião dos únicos detentores da soberania, os integrantes do povo, pode ser praticamente instantânea. As suspeitas surreais procuram lançar dúvidas sobre uma fórmula reconhecidamente hígida, que nunca teve um incidente sequer e que é elogiada por nações do Primeiro Mundo. Injetar na consciência coletiva tal insanidade faz com que os violentos, os irascíveis, os prontos a reagir com tiros e pancadas a qualquer provocação, fiquem preparados ao ataque.

Nem contribui com o aprimoramento democrático ceder à volúpia ambiciosa de parlamentares profissionais que não se pejam na confecção de orçamentos secretos, de reforçar vergonhosos “Fundos” eleitoral e partidário e vender a alma para custear eleições e a matriz da pestilência chamada reeleição.

Tudo isso corrói as entranhas da fragílima democracia tupiniquim. Ela não resiste a um sopro, quando a loucura se apodera de mentes capazes de fanatizar uma tribo crescente: os que continuam a mamar nas tetas exauridas da viúva, os hipócritas que invocam a divindade para melhor locupletar-se, os que detestam ciência, cultura e convicções contrárias à do condutor da manada.

Isso já aconteceu na História. Não se pode subestimar a puerilidade de uma população desalentada, cética em relação aos governantes, faminta e desempregada. Daí a imensa responsabilidade que recai sobre a lucidez residual. Aquela que não foi anestesiada, nem obnubilada, nem cega ao desmoronamento do moral coletivo.

Na década de trinta do século passado, os alemães, que haviam superado os infortúnios do grande conflito mundial, seguiram o líder nazista e mergulharam o planeta numa guerra ainda mais cruenta e impiedosa.

Os intelectuais, os pensadores libertos de amarras ideológicas, os crentes e confitentes de todas as religiões, os professores, os historiadores, os sociólogos, os psicólogos, os psiquiatras, os urbanistas, os jornalistas, os influencers e todas as demais pessoas de boa-vontade têm de proclamar os riscos impostos à democracia brasileira. Idêntica a atitude de todas as entidades, Universidades, associações, ONGs, institutos, academias e centros culturais, de onde provirá uma luz para enfrentar a escuridão.

Não perder a capacidade de indignação, recrutar adeptos a uma revisita às instituições, detectar no passado os motivos de orgulho e glória que no passado o Brasil conheceu e que precisam servir de inspiração aos nossos moços. Com a preocupação de se contemplar também os nascituros, expostos a perigos que vão desde as mudanças climáticas, causadas pelo reiterado e predeterminado maltrato à natureza, até à perda de parâmetros daquilo que deva ser uma convivência fraterna e digna.

Se todos nos unirmos, talvez a enferma democracia brasileira tenha condições de se recuperar, lentamente, porque o estrago feito deixará sequelas durante longo período. Mas com esperança de regredir até estágios menos agônicos do que estes de nossos angustiantes dias.

Publicado no Jornal de Jundiaí/Opinião
Em 12 de setembro de 2022



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