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Acadêmico: Gabriel Chalita Há algo em mim que ensaia alguma esperança. Há amores que nascem na maturidade.
Foi uma história tão bonita que duvidei quando ouvi o fim. Eu era menina ainda quando ele sussurrou em mim promessas de amor. Demorei a abrir as portas. Tive medo. Sabia, de ouvir, os riscos da sedução, do encantamento, dos pés que deixam de pisar para dançar, conduzido por quem, até ontem, sequer existia. Olhava uma tia que se divertia costurando roupas rasgadas para distrair o tempo e não pensar nas próprias rasgaduras. Teve dignidade, tia Eulália. Viu o marido fazendo a troca e disse silêncios. E prosseguiu educando os filhos e regando a vida com bondades. Nenhum amargor. Não tenho essa força. Mauro explicou aos meus pais a intenção. Corei. Ele estava com os cabelos ainda molhados, com uma calça social e uma camisa devidamente correta. Um perfume leve por desconhecer o gosto dos dois. Só depois nos beijamos. Foi meu primeiro beijo. Achei diferente, apenas. Casei sem entender. Ele foi paciente, preciso dizer. E, aos poucos, o prazer foi despedindo meus medos. E, durante quarenta anos, vivemos. Era quase o meu aniversário de sessenta anos quando ele disse que não poderia viver da mentira. Eu sentei para evitar desmaios. Mais de uma vez, olhei para o lado para não ver o que me diziam. Mauro já não se contentava com o que tínhamos. E, nos últimos tempos, ele pouco me procurava. Sou de me acostumar. E estendi a ele outras formas de amar. Não bastou. Foi com Elvira que ele explicou que começaria outra vida aos quase setenta anos. Olhei nos seus olhos e uma dor imensa percorreu o meu pescoço e estacionou também em minhas costas. Ele foi solícito explicando que nada me faltaria. Eu ensaiei dizer que faltaria, sim. Que eu queria o nosso passado de volta. Que eu lembrava as músicas que cantamos juntos nas serenatas do meu pai. Comi as palavras para não desperdiçar. A decisão estava tomada. Nossa filha, dias depois, depois de espantar alguma raiva, profetizou que ele iria voltar. Nosso filho culpou o pai. O pai que eu desculpei. A herança já estava em mim, a dor que ficou. Fiz compressas de água quente, tomei remédios, rezei. E a dor ocupava o lugar da alegria. O seu lado da cama conversava comigo. E com minha solidão. Não mexi nos retratos. Fazem parte de uma vida inteira. Nas minhas orações, eu me lembrava de tia Eulália que, uma vez, me disse que ninguém tinha culpa de deixar de amar. A questão em mim não era a culpa, era a dor. No pescoço, nas costas e na alma. Não sei costurar. Nunca soube. Então, prossegui rasgada. Não sei se era amor ou costume. Não sei se a sensação de ser trocada desenhou sentimentos novos em mim. O choro noturno é melhor. Sem testemunhas. Não quero desdizer o que vivi. Um dia, conseguirei agradecer e seguir em frente, com ou sem dor. Há algo em mim que ensaia alguma esperança. Há amores que nascem na maturidade. E eu sou cuidadosa com a vida. Vou viver muito. Ah, quero voltar a dançar acompanhada, por que não? E também fazer amor. Mesmo que para isso eu precise aprender a costurar. Enquanto a primavera não vem, vou cuidar de cuidar da terra. Os florescimentos têm seu tempo. É quase dia. Gosto dessa luz que empurra a noite. E do cheiro do café que ainda vou fazer. E do prazer de não desistir. Os vazios se preenchem com o tempo, com a inegociável decisão de prosseguir. Hoje, já não sou a menina medrosa. Sou a mulher, desenhada de vida, que compreende a beleza do amar. voltar |
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