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Acadêmico: José Renato Nalini Na indigência oratória destes tristes tempos, é bom registrar que o Brasil já teve oradores verdadeiramente magos.
Onde foram parar os oradores? Na indigência oratória destes tristes tempos, é bom registrar que o Brasil já teve oradores verdadeiramente magos. Aqueles que encantavam multidões e que inebriavam seus privilegiados ouvintes. Nesta era de tic-toc e kkk, rs e outras interjeições onomatopeicas, faz falta um apreço maior à oratória. Antigamente havia cursos que preparavam os futuros profissionais ao bom uso da palavra. Hoje, queixam-se os magistrados do tatibitate das sustentações orais. Tudo se agravou com a pandemia, que trouxe o alento irresistível da atuação remota. Evidentes as vantagens dessa estratégia. O tempo economizado no deslocamento, a redução na emissão de gases causadores do efeito estufa, a pontualidade das audiências e tudo o mais. Algo que veio para ficar. Mergulhamos, de forma irreversível, nas vantagens tecnológicas dessa profunda mutação estrutural. Ocorre que o lado perverso é a incapacidade de alguns advogados se exprimirem de forma concisa, objetiva e concatenada. Recorrem à leitura. Até na audiência presencial, advogados ficam lendo suas razões no celular. Quando se trata de uma profissão que tem como única ferramenta a palavra, a constatação é desalentadora. Também os debates parlamentares são de uma indigência atroz. Nunca se detiveram a ler a “Oração da Coroa”, de Demóstenes, nem o comentário que dela teceu Latino Coelho. Para este, a oratória é ao mesmo tempo arte e ofício. Arte, seu objeto é o culto do belo; ofício, seu fim é o útil como agente da governação da cidade. O orador é, assim, artista e homem de Estado. Pelas graças da imaginação, harmonia do desenho, variedade e frescura do colorido, textura rítmica do período, o orador é mesmo o primeiro dos artistas. Extrai-se da “Oração da Coroa”: “Pela agudeza em observar e discernir os acontecimentos do presente, pela previdência com que sabe conjecturar os do futuro, pela discrição com que elege o melhor partido e propõe o melhor conselho, pelo privilégio singular com que governa do alto da tribuna as multidões mal sofridas, o orador é o mais eficaz ou o mais perigoso dos repúblicos”. Compreende-se que haja minguado a oratória no Brasil, que já teve tribunos respeitáveis. É que a oratória política só pode desabrochar nos povos que cultivam a liberdade e lutam para não perdê-la. Por isso ela existiu na Grécia e é levada a sério na Inglaterra. Poucos pensadores se detiveram a analisar a sensível influência que a mentalidade política britânica exerceu sobre os homens públicos do Brasil durante o primeiro e segundo reinado. Observa Júlio Cezar de Faria, em “José Bonifácio, o Moço” – um notável orador, por sinal – que “quase todos os estadistas e literatos nacionais ao tempo de Pedro I, cultivaram a literatura inglesa: Antônio Carlos, ainda em Portugal, traduziu alguns opúsculos oriundos dessa literatura, e para a mesma ordem de elocubração espiritual foram arrastados Silva Lisboa, Hipólito da Costa, Fernandes Pinheiro, Conceição Veloso e outros”. Esse talento oratório prosseguiu, desde o alvorecer do Império até seu ocaso, em 15 de novembro de 1889. Figuras como Antonio Carlos, Martim Francisco, Acaiaba Montezuma, Euzébio de Queiroz, Bernardo Pereira de Vasconcelos, Nabuco de Araújo (o Pai), Zacarias de Góes, Sales Torres Homem, João Maurício Wanderley, Silva Paranhos, Teófilo Otoni, Teixeira Júnior, Sousa Franco, Duque Estrada, Joaquim José Rodrigues Torres, Fernandes da Cunha, Afonso Celso, Gaspar da Silveira Martins, Gomes de Castro Ferreira Viana, Andrade Figueira, Lafayette, Joaquim Nabuco (filho) e, no centro deles, dividindo-os como precioso marco de luz, em duas épocas distintas, José Bonifácio de Andrada e Silva, o Moço, considerado o mais perfeito dentre os oradores políticos das três últimas décadas da Monarquia brasileira. Com certeza, os jovens de hoje não têm noção dos nomes agora mencionados e desconhecem a existência profícua deste segundo José Bonifácio, um líder inconteste da mocidade de antanho. Dele disse Joaquim Nabuco: “O grande orador paulista aliava à palavra mais arrebatadora que em sua época se fez ouvir em nosso país a imaculabilidade do caráter; … o encanto de sua pessoa, a beleza de sua vida, sua renúncia de tudo, a dignidade e a nobreza do seu caráter, suas simpatias liberais, a originalidade dos seus motivos, fazem de José Bonifácio uma figura singular em nossa política”. Na tormentosa fase em que o Brasil se viu envolto, com ameaças à democracia e ao seu postulado, a liberdade, mal não faria encontrar em vidas de brasileiros ilustres a inspiração para resistir, reagir e fazer valer a verdadeira inspiração da cidadania, ávida pela promessa ainda não cumprida de se edificar uma pátria justa, fraterna e solidária. Publicado no Blog do Fausto Macedo/Opinião/Estadão Em 05 de setembro de 2022 voltar |
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