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Acadêmico: José Renato Nalini Quando Albert Camus escreveu esse livro, publicado em 1951, não imaginava que leitores do emblemático ano 2022 encontrariam nele tanta coisa em comum.
O homem revoltado Quando Albert Camus escreveu esse livro, publicado em 1951, de certo não imaginaria que leitores do emblemático ano 2022 encontrariam nele tanta coisa em comum. Mas é impossível que pessoas lúcidas e de bom senso – quantas restarão neste Brasil de nossos dias? – não sintam revolta diante de uma série imensa de motivos dela causadores? O que é um homem revoltado, indagava Camus e respondia: “Um homem que diz não. … Qual é o significado deste “não”? Significa, por exemplo, “as coisas já duraram demais”, “até aí, sim, a partir daí, não”; “assim já é demais”, e, ainda “há um limite que você não vai ultrapassar”. Em suma, este “não” afirma a existência de uma fronteira. Encontra-se a mesma ideia de limite no sentimento do revoltado de que o outro “exagera”, que estende o seu direito além de uma fronteira a partir da qual um outro direito o enfrenta e o delimita”. Parece que houve exagerado avanço na fronteira do tolerável. Os limites éticos, muito antes já haviam sido desrespeitados. O território da moral foi ultrajado, com o comportamento inominável de alguns indivíduos pagos pelo povo para servi-lo. A revolta é justa e legítima e não é um movimento egoísta. Pois quem se revolta está evidenciando seu inconformismo tanto contra a mentira, quanto contra a opressão. A revolta é um sentimento contrário a tudo o que é antinatural. Como não se revoltar diante do extermínio do porvir, com a destruição da exuberante cobertura vegetal em todos os biomas brasileiros? Como não se revoltar diante da insensibilidade dos que elaboram “orçamentos secretos”, algo verdadeiramente surreal. Pois é próprio à administração pública a mais aberta e clara transparência. Não se pode brincar com o suado dinheiro do povo. É aceitável que haja destinações secretas que, bem acompanhadas, vão evidenciar interesses personalíssimos envolvidos nessas nefastas operações? Até os robôs se revoltariam se tomassem conhecimento de que há trinta e três milhões de brasileiros passando fome. O país que se orgulha de ser “o celeiro do mundo”, com crescente produção de grãos, deixa seus filhos à míngua. A revolta não é um ressentimento. Aquilo que se definiu como “auto-intoxicação, a secreção nefasta, em um vaso lacrado, de uma impotência prolongada. A revolta, ao contrário, fragmenta o ser e ajuda-o a transcender. Ela liberta ondas que, estagnadas, se tornam violentas”. A revolta é uma sagrada ira que deveria se traduzir em ação. Não ação cruenta, objetivo de quem se arma sob argumento de que “a população armada não será roubada”. Ficção que apenas atende aos interesses marqueteiros da indústria de armamentos. A revolta digna é aquela que não se ancora sobre um ideal abstrato e que se traduza num objetivo de reivindicação estéril. O patriota revoltado exige “que seja levado em conta aquilo que, no homem, não pode ficar limitado a uma ideia, esta parte ardorosa que não serve para nada a não ser para existir”. A revolta deve gerar consequências. A maior delas é a capacidade de indignação, que parece dormitar na rotina de quem se acostumou com o deboche e não perde o sono, nem se aflige. Resigna-se a assistir e a ser vítima complacente dos desmandos. A revolta é gerada pela consciência da liberdade. Quando cresce no indivíduo a sua noção de dignidade humana, ele verá aumentar, proporcionalmente, uma insatisfação. Não é digno deixar semelhantes sem alimento, sem moradia, sem saúde, sem educação de qualidade, sem emprego, sem perspectiva de uma existência melhor, mais conforme com a propalada universalização dos direitos fundamentais. Assim, “a revolta é o ato do homem informado, que tem consciência de seus direitos”. Mas não exclusivamente de seus direitos, senão dos direitos de todos os seres humanos. Enquanto houver injustiça no tratamento de um semelhante, o homem ético, livre e consciente de sua dignidade, não poderá deixar de ser revoltado. Que essa revolta gere a vontade de escolher melhor os seus representantes. A democracia representativa parece já ter dado os seus frutos. Hoje é algo decadente e já não atrai a credibilidade cidadã. Que a revolta nos conduza à implementação da democracia participativa, para frear o Estado, instituição tentacular e nociva, quando deixa sem o mínimo existencial vasta legião de humanos. Estes merecem melhor destino. Publicado no Blog do Fausto Macedo/Opinião/Estadão Em 02 de setembro de 2022 voltar |
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