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Acadêmico: José Renato Nalini Mais um pavoroso recorde para o país que se converteu em “pária ambiental”, depois de ter sido promissora potência verde.
Contaminação integral Em nome de acréscimo na produtividade do setor que representou o único alento na fase pandêmica da economia tupiniquim, abriram-se as porteiras para envenenar o Brasil. Nos últimos anos, foram milhares de liberações de agrotóxicos, muitos deles proibidos nos países de origem, para que venham empestear a agricultura pátria. Mais um pavoroso recorde para o país que se converteu em “pária ambiental”, depois de ter sido promissora potência verde. O Greenpeace alertava, há mais de três anos, que a quantidade de herbicidas cuja utilização o Brasil passou a autorizar e a incentivar era a maior em dez anos. Tudo a partir de publicações do próprio Governo Federal. Houve incrível aumento de 500 – quinhentos por cento! – na aprovação, algo aterrador na série histórica. Como a ciência neste chão está desacreditada, não adianta dizer que uma análise do Instituto Butantan – aquele que salvou milhões de vidas com sua vacina repudiada pelo obscurantismo – revelou que os pesticidas são extremamente tóxicos ao meio ambiente e à vida, mesmo em mínimas concentrações. Ainda que se utilizasse uma dosagem equivalente a um trigésimo do recomendado pela Anvisa, o veneno vai causar esterilidade do solo e enfermidades várias em todas as espécies de vida, principalmente a humana. O glifosado, que é o mais usado na agricultura brasileira, provocou a morte de todos os embriões de peixes utilizados na pesquisa, apesar da dosagem considerada inofensiva, de 0,66 miligramas por mililitro a 0,022 miligramas por mililitro, pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária. O discurso governamental é o de entrar na modernidade. Na verdade, a porta de entrada é para a mortandade geral. Paradoxal que o Brasil se envenene para produzir grãos que alimentam o gado do Primeiro Mundo e incendeie suas florestas para fazer pasto, onde se cria gado para exportar. Com o desmantelamento das agências reguladoras, a desenvoltura no ingresso de pesticidas é flagrante. A Anvisa encontrou resíduos de agrotóxicos acima do limite permitido ou proibidos para cultura em boa parte dos alimentos examinados. Uso de ingredientes não permitidos para determinada cultura, ativos acima do limite permitido e a maioria das irregularidades está no uso despudorado de produtos proibidos no país. Foram avaliadas 4.616 amostras de catorze tipos de legumes, cereais e frutas encontrados em supermercados de setenta e sete municípios em todo o Brasil, à exceção do Paraná, que deixou de fazer parte do programa desde 2016. Isso sem falar nos insumos utilizados para engordar mais rapidamente as aves, tornando-as consumíveis muito antes do que seria o razoável numa cultura que respeitasse a natureza das coisas. Aliás, natureza é algo completamente antagônico a qualquer política governamental. Tudo tem de ser encarado sob a ótica do proveito imediato, em benefício direto da política profissional, empenhada na preservação de privilégios e com foco nas próximas eleições, ou naquilo que chamo, reiteradamente, de “matriz da pestilência”: o instituto da reeleição. Tão perigosa quanto a introdução de agrotóxicos que vão à mesa, depois ao estômago, finalmente ao sangue e à alma dos brasileiros, é a inoculação de ideias equivocadas como a de que o armamento generalizado se faz para defender os “bons” dos “bandidos”. Quem se arma tem o potencial de se servir dela. Um instrumento letal, que não deveria ser fabricado, pois a tecnologia já dispõe de meios para neutralizar o indivíduo que tem de ser obstado em sua sanha criminosa, sem a necessidade de lhe tirar a vida. Nestes últimos anos, a indústria mais próspera, depois daquela que produz inverdades e dissemina o ódio, foi a armamentista. O Brasil consagrou a busca da violência cruenta, armando mais civis do que a soma de todo o contingente das Forças Armadas e das Polícias Militares nos vinte e sete Estados-membros da Federação. Essas armas vão ser utilizadas. Em entreveros múltiplos, no trânsito, na vingança, na revanche, na resistência a pseudo-abordagens. Aumentará o número de vítimas de balas perdidas, que sempre acham um alvo inocente. Passarão para a criminalidade organizada, que se sofisticou com o beneplácito do Poder exercido por seres privados de sensatez e de racionalidade. A contaminação dos brasileiros não está apenas em seu corpo físico. Está em sua alma, num antagonismo perverso ao que se sonhou para esta Terra de Santa Cruz, habitável por um povo ordeiro, pacífico, tranquilo, interessado na redução das desigualdades, afeiçoado à solidariedade e inspirado pelo ideal da fraternidade. Publicado no Blog do Fausto Macedo/Opinião/Estadão Em 28 de agosto de 2022 voltar |
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