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SUICÍDIO COLETIVO
Acadêmico: José Renato Nalini
Suicídio coletivo, miserável fim de uma civilização que escolheu o retrocesso como caminhada. Em lugar do porvir, o acelerado movimento em marcha-a-ré.

Suicídio coletivo

O português Antônio Guterres, Secretário-Geral da ONU, chamou a emergência climática de “suicídio coletivo”. O Velho Continente enfrenta calor nefando, que causa incêndios florestais e mortes. A Inglaterra nunca havia antes registrado temperatura superior a quarenta graus centígrados. Em Nantes, na França, os termômetros chegaram a incríveis quarenta e dois graus centígrados. A cidade de Murça teve destruída mais da metade de seu território. Causou emoção a morte de um casal de idosos que teve o carro carbonizado quando tentava fugir às chamas.

Para Guterres, mais da metade da humanidade vive em zonas de perigo de inundações, secas, tempestades extremas e incêndios florestais. Enquanto isso, permanecemos surdos, cegos e burros investindo em combustíveis fósseis. Em vez de ação coletiva e urgente, preferimos o suicídio coletivo.

Já citei inúmeras vezes a advertência de Mikhail Gorbatchev quando esteve no Rio, em 1992, a tão esperada Eco 92. Dizia ele então: o mundo tem trinta anos para corrigir sua rota, mudar seus hábitos e costumes. Depois disso, a Terra continuará a existir. Mas ela prescindirá da espécie humana para tanto.

Não é o planeta que corre risco. É a vida. Principalmente a vida humana. Espécie frágil e com efêmero percurso neste sofrido planeta, perdido numa galáxia pouco importante para o Cosmos, porém movida por um gigantesco amor-próprio. Animal pretensioso, ávido por dinheiro, acumula bens materiais e, nessa batalha diuturna, espezinha qualquer valor intangível, tudo para obter lucros e converter tudo em cifrão.

Antônio Guterres fez essa proclamação pessimista durante o Diálogo Climático de Petersberg, conferência organizada pela Alemanha para estreitar as negociações e pressionar as autoridades por adoção de metas mais ambiciosas para a COP-27, a próxima conferência climática prevista para novembro próximo, no Cairo.

Esses encontros de pouco servem. Satisfazem a volúpia por palanques, uma doença que acomete inclusive a alta cúpula do Judiciário, cada vez mais assídua a convescotes jurídicos no estrangeiro. O Brasil firmou toda espécie de acordo, convênio, tratado, como se isso mudasse o comportamento do governo e das pessoas. Não é por falta de ordenamento que o mundo perece. Ele se acaba pela cobiça, pelos interesses mesquinhos e personalíssimos que movem os detentores de poder. Os governos se esqueceram de que são instrumentos, são meros mandatários. O mandante não é ouvido nem respeitado. É o povo, desprezado pelas cúpulas e somente obrigado a custear a farra das viagens, dos cartões corporativos, dos orçamentos secretos, dos “Fundões” e da propaganda político-partidária que mantém incólume os profissionais da política.

De pouco adianta declarações como a da Ministra das Relações Exteriores da Alemanha, Annalena Baerbock: “A crise climática é a questão de segurança mais séria do nosso tempo. Muito dano já foi causado; agora é hora de agir”.

Isso já se dizia na década de setenta, depois que os que ainda conseguem ler se assustavam com o livro “Primavera Silenciosa” de Rachel Carson, publicado em 1962. Desde então, a situação já era trágica. Mas o que aconteceu desde então?

O constituinte de 1988 elaborou a mais bela norma fundante do século 20, o artigo 225 da Carta Cidadã. Teve a coragem de criar um direito para os que ainda não nasceram, erigindo o bem ambiental a categoria transgeracional. Isso fez retroceder a carnificina que é o decreto de morte da biodiversidade, dos biomas que constituíam a maior riqueza brasileira?

Quando o governante não se importa com a Constituição, de pouco adiantam os vaticínios que hoje se mostram tão verdadeiros e tão próximos. Tudo permanece na esfera do discurso. O bacharelismo barroco, as proclamações retóricas, gongóricas e retumbantes. Uma farsa teatral, de péssimo gosto. Enquanto isso, anistia-se o criminoso, premia-se o dendroclasta, ridiculariza-se quem se propõe a defender o ambiente, ofende-se governo estrangeiro preocupado com a Amazônia, mediante invocação do mito simbólico da soberania.

O lamentável é que não morram apenas os maléficos responsáveis pela política antiambiental instaurada neste espaço que já foi promissora promessa verde e que agora é um desprezado pária ambiental. Morrem também os infantes, as crianças, os jovens. Impede-se de nascer aquele que tem direito a receber o mundo nas condições em que o encontramos, porém que fizemos questão de deixar nossa marca assassina: a morte das árvores, da água, do oxigênio, de tudo aquilo que significa vida.

Suicídio coletivo, miserável fim de uma civilização que escolheu o retrocesso como caminhada. Em lugar do porvir, o acelerado movimento em marcha-a-ré.

Publicado no Blog do Fausto Macedo/Opinião/Estadão
Em 27 de agosto de 2022



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