Compartilhe
Tamanho da fonte


A SANÇÃO VIRÁ DE FORA
Acadêmico: José Renato Nalini
Talvez a jurisdição internacional seja a derradeira esperança para um planeta a correr seríssimo risco.

A sanção virá de fora

Os desmandos brasileiros em relação ao seu maior patrimônio, o meio ambiente e a biodiversidade, não têm sido alvo da indignação que merecem. A sociedade assiste, aparentemente anestesiada, à destruição de florestas que se desenvolveram durante milhares de anos. Uma ignorância atroz prefere trocar a árvore em pé por carvão, soja ou pasto.

Visão equivocada atribui ao agronegócio a salvação nacional, quando esta viria mediante venda de créditos de carbono. Trilhões de dólares disponíveis para a tentativa de reverter o surreal – porém mais do que provável – ritmo acelerado rumo ao suicídio. Opção inexplicável para uma espécie tão frágil, tão efêmera, tão acometida por vicissitudes e desgraças, como é o ser humano.

O grande exportador de comodities – na verdade, produz grãos para alimentar o gado de outros países – não tem consciência do significado da preservação. Em países civilizados, a população exigiria compostura do governo e não admitiria o desmantelamento das estruturas protetivas da natureza, gradual e incessantemente edificadas durante décadas de consciência ecológica. O Brasil passou de promissora potência verde a pária ambiental e – o que é mais incrível! – houve quem se orgulhasse disso, embora remunerado pelo povo para buscar o bem comum.

Diante da inércia tupiniquim, a esperança é a de que tribunais internacionais façam aquilo que o sistema Justiça deveria providenciar aqui: a responsabilização dos que degradam a terra, que matam a biodiversidade, que impedem o futuro digno das próximas gerações.

Lamentável constatar que a melhor boa intenção, a mais fecunda inspiração, deixam de produzir efeito diante do acumpliciamento de autoridades transitórias face à ganância dos detratores, dos dendroclastas, dos exterminadores do futuro. Pois a Constituição de 1988, que já foi chamada “ecológica”, teve o pioneirismo de tornar o nascituro um titular de direito intergeracional. O dever de assegurar ambiente saudável, propiciador da continuidade da vida, torna os viventes obrigados a cuidar do patrimônio natural, para que dele possam usufruir os nossos descendentes.

As futuras gerações – se é que vierem a existir – deverão ser cáusticos no julgamento dos insanos, insensatos e irresponsáveis causadores do aquecimento global, à evidência causado por humanos que perderam as características mais substanciais à humanidade.

Talvez a jurisdição internacional seja a derradeira esperança para um planeta a correr seríssimo risco. A interdependência entre as nações mostra que aquela visão arcaica e superada de “soberania” deve ceder à concepção de concreta interdependência. A chuva ácida não respeita fronteiras, assim como as verdadeiras ilhas de material plástico a flutuar pelos oceanos. O mundo está mais perigoso e o ser humano contribui para isso. Não é racional que países subdesenvolvidos invoquem a soberania como direito absoluto, oponível a quaisquer outros, e se valham dessa posição irreal para acabar com florestas inteiras, como é o caso da Amazônia e de outros biomas nacionais.

Destruir a cobertura vegetal não causa mal apenas para o Brasil. é um atentado contra a saúde planetária. Por isso é que se deve estimular a legitimidade de Cortes Internacionais, cujas decisões devem ser cogentes e não encontrar óbices por parte dos países infratores.

Um bom começo é levar a tribunais estrangeiros demandas ecológicas, assim como acontece em Londres com a BHP-Billiton e na Holanda em relação à Braskem e a Norsk Hydro. São tragédias como a de Mariana, ocorrida em 2015 e os danos causados em Alagoas e no Pará, por essas empresas. Um passo adiante será apreciar denúncias contra governos lenientes, coniventes e omissos em relação à deliberada, organizada e incessante eliminação das condições vitais para o planeta.

Cumpre observar que não é a Terra que corre perigo. Ela, como pequena esfera a integrar um sistema que é dos menores no Cosmos, continuará a existir por tempo indefinido. Só que não abrigará mais qualquer espécie de vida. É o bicho-homem, que escolheu morrer, quando sua vocação seria viver em harmonia com o meio ambiente, a existência gravemente ameaçada. Haverá tempo de reverter essa rota?

Publicado no Blog do Fausto Macedo/Opinião/Estadão
Em 26 de agosto de 2022



voltar




 
Largo do Arouche, 312 / 324 • CEP: 01219-000 • São Paulo • SP • Brasil • Telefone: 11 3331-7222 / 3331-7401 / 3331-1562.
Imagem de um cadeado  Política de privacidade.