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CONDENADOS À MORTE
Acadêmico: José Renato Nalini
É esse o significado da premeditada e criminosa destruição da floresta amazônica, espetáculo dantesco passivamente observado por uma população inerte.

Condenados à morte

Uma condenação à morte por sentença irrecorrível. Esse o significado da premeditada e criminosa destruição da floresta amazônica, espetáculo dantesco passivamente observado por uma população inerte. Os dados são trágicos: a cada hora, o Brasil perdeu cento e oitenta e nove hectares de vegetação nativa ao longo de 2021. Isso significa cerca de cinco mil hectares por dia. Ou praticamente dezessete mil quilômetros quadrados de desmate, ou três vezes a área do Distrito Federal.

A destruição foi vinte por cento maior do que a já nefanda eliminação do verde em 2020. Inadmissível que se derrubem dezoito árvores por segundo. É algo cientificamente comprovado, pelo Relatório Anual de Desmatamento lançado pelo projeto MapBiomas, que monitora as mudanças no território brasileiro e conta com a participação de Universidades, ONGs e empresas de tecnologia.

Qual a causa? Desde 2019, a atividade agropecuária respondeu por 97,8 da área desmatada no Brasil. Os quase três por cento restantes são devidos ao garimpo, mineração e expansão urbana. Setenta e sete por cento da devastação ocorre em imóveis rurais registrados no CAR – Cadastro Ambiental Rural, o que resulta em possibilidade de identificação do titular dominial, em tese o responsável pelo extermínio da floresta.

Mas isto é o Brasil sem lei. Com distribuição gratuita de títulos de regularização, desprezado o ordenamento que impõe requisitos. Os apaniguados, os estimulados a se armarem para fazerem valer com eficácia a sua vontade, recebem esses registros e entendem como liberdade para acabar com a biodiversidade. Quem desmata se sente protegido por um governo antiecológico e antivida. Pois a ciência já comprovou que sem floresta não há chuva, sem chuva não há água, sem água não há vida.

Os protetores da floresta eram vozes clamando no deserto que se avizinha, a cada dia mais próximo. Hoje são ecos perdidos, pois o assassinato dos ambientalistas passou a ser rotina em território entregue à barbárie. Tanto assim, que as estruturas de proteção da biodiversidade foram diluídas, seus funcionários mais atuantes perseguidos, substituídos por gente cordata à chefia dendroclasta.

O engenheiro florestal Tasso Azevedo observa que “os embargos e autuações feitos pelo Ibama e pelo ICM-Bio até maio de 2022 atingiram apenas 2,4 dos desmatamentos e 10,5 da área desmatada identificada entre 2019 e 2021”. Pasmem – se é que os brasileiros ainda conseguem se surpreender com a desfaçatez reinante – “o nível federal tem agido para evitar as autuações. A escolha é por proteger os dois por cento que desmatam, causando impacto para todo o resto da população brasileira”. Tasso Azevedo foi Diretor do Serviço Florestal Brasileiro. Hoje é um agente isolado e ignorado pelo governo.

Apenas por milagre se acreditaria numa reversão desse quadro que comprova a condição de “pária ambiental” de um país que fora pioneiro no ambientalismo, quando reinava o bom senso – matéria destruída nestes últimos anos – sobre a Terra de Santa Cruz. Hoje restou a metáfora do calvário, pois o lenho para a confecção do símbolo máximo do cristianismo já foi consumido pelo fogo para ceder espaço para os pastos.

Produzimos carne para alimentar os países importadores da nossa gigantesca criação – temos mais cabeças de gado do que cérebros humanos – e produzimos grãos para alimentar animais do Primeiro Mundo.

Para quem não perdeu a esperança, resta aguardar que a lucidez consiga vencer a árdua batalha contra a ignorância, a cupidez, o negacionismo, as teorias da conspiração, o mau-gosto, o deboche, a insanidade que acometeu as altas esferas. Um dia chegará em que o animal humano terá de reagir contra a vingança da natureza maltratada. Talvez seja tarde demais, mas nesse dia, se levará a sério a urgência do replantio. O Brasil se ressente de um trilhão de árvores. Estas demoram para crescer. O preço a ser pago pela entrega do país à sanha grotesca dos exterminadores do futuro será bem elevado.

Mas este dia parece cada momento mais remoto. Prepondera, por enquanto, a crueldade livre, leve e desenvolta. Essa crueldade que condena à morte os viventes e os que ainda não nasceram.

Para que Tribunal recorrerão os sentenciados, se a promíscua convivência entre os que ganham com a desertificação e aqueles que são pagos pelo povo para impedi-la, é um dos fenômenos mais abjetos destes nossos dias?

Publicado no Blog do Fausto Macedo/Opinião/Estadão
Em 25 08 2022



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