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Acadêmico: José Renato Nalini Para um Brasil que, na visão de Bolívar Lamounier está se “desmilinguindo”, a missão docente é a única suscetível de conferir novos rumos a uma civilização em acelerado retrocesso moral.
Mestres d’antanho O magistério é a mais relevante das funções de que o ser humano pode se desincumbir nesta frágil e efêmera peregrinação pelo planeta. Para um Brasil que, na visão de Bolívar Lamounier está se “desmilinguindo”, a missão docente é a única suscetível de conferir novos rumos a uma civilização em acelerado retrocesso moral. Paradoxalmente, multiplicam-se as unidades de ensino universitário, que abrem milhares – ou até milhões – de vagas a cada semestre. Mas não se verifica simultâneo interesse pela efetiva formação de professores. A exigência de Mestrado ou Doutorado é válida, mas insuficiente. Até porque, em plena mutação resultante das tecnologias desenvolvidas durante a Quarta Revolução Industrial, a informação está plenamente disponível e nunca esteve tão acessível. O docente não é mais o transmitente de informações, que podem ser obtidas num clique e mais atualizadas, sedutoras, coloridas, musicais. O bom professor deveria ser o indutor da curiosidade. Aquele que ensina a pesquisar. Capaz de despertar no educando o amor pelo estudo incessante. E ajude a desenvolver as habilidades socioemocionais, negligenciadas no ensino fundamental e médio. É urgente que o Brasil valorize o professor. Não deixe que ele mergulhe no desalento. Que ele recupere o orgulho por escolher o magistério, do qual a maior parte dos estudantes foge quando inquirida sobre o que será “quando crescer”… Um bom exercício para os coordenadores de cursos – principalmente os jurídicos, já que o Brasil possui mais Faculdades de Direito do que a soma de todas as outras existentes no restante do planeta – é resgatar vultos luminares que foram verdadeiramente entronizados por seus alunos. Lembro-me de Herculano de Freitas, cujo retrato de corpo inteiro está hoje numa das alas das Arcadas de São Francisco. Professor de Direito Constitucional, é descrito por seu aluno Pelágio Lobo, como “um dominador da tribuna que, na cátedra, e no nosso curso de excepcional e inesperada assiduidade, se impôs à nossa benquerença, como se impusera à nossa admiração fervorosa pelo brilho de suas lições, a variedade e vivacidade dos seus argumentos e o tom risonho com que sublinhava fatos políticos e históricos ou críticas a intérpretes da lei básica, numa profusão de ideias que nos deixavam dominados pelo fulgor daquelas cintilações. Com ele estudamos, além das bases do Direito Constitucional e Público, a Constituição de 1891 e aprendemos a conhecê-la e admirá-la; o regime republicano, as funções dos três poderes, o sistema de contrapesos, destinado a manter sua harmonia e equilíbrio, a autonomia dos Estados e a questão de distribuição de rendas – tudo isso era exposto com a clareza de um mestre consumado e a esbelteza de um conferencista de alta linhagem tribunícia. Todos os sistemas eleitorais, escrutínio simples e de lista, voto cumulativo e os regimes eleitorais, desde os da Monarquia, tudo isso era exposto, criticado com fertilidade de fatos e noções e com o tom risonho, muitas vezes faceto em que o mestre era exímio”. Ao final do ano, sorteado o ponto para a prova escrita, que naquele 1907 fora o “voto feminino” – pioneirismo de Herculano de Freitas, eis que o voto das mulheres só sobreveio em 1933, como consequência benfazeja da Revolução Constitucionalista de 1932 – Herculano declarou, com o seu permanente sorriso: “Tomo a liberdade de adverti-los que, desde antiga data, foi suprimida, nesta cadeira, a instituição da “cola”. Os senhores poderão, todavia, consultar o Barbalho e algumas notas que hajam esquecido dentro dele”. Em seguida acendeu um charutão de palmo, abriu o “Correio Paulistano” e deixou-nos entregues às nossas cogitações”. Não se pense que todos os mestres mereciam esse tratamento afetivo. A musa brincalhona e irreverente dos acadêmicos fizera uma caricatura de Pedro Lessa, num soneto de Agenor Silveira, a cuja graça me rendo e não me furto a reproduzir: “Bate o quarto, depois do meio-dia; A grita infrene dos calouros cessa: Pesado e gordo, surge Doutor Lessa, O nosso lente de Filosofia/ Esbaforido e suado, entrou. Sombria, No grave rosto traz a raiva impressa. Sentou-se. E agora a preleção começa, E começa também nossa agonia…/Um silêncio tristíssimo enche a sala; E fala o mestre – coisas graves fala, Num discurso pesado, extenso, informe. / Agora, as próprias moscas adormecem… E dorme a classe – e os gestos se amortecem. E a sintaxe do mestre também dorme…”. Tempos líricos, em que a crítica ao professor que não se preocupava em ser compreendido por sua classe, gerava um soneto de tamanha qualidade. Tudo parece andar em marcha-a-ré. O Brasil nunca necessitou tanto de uma ressurreição do amor pelo magistério, pela docência, pela sublime e imprescindível missão de preparar a juventude rumo ao desconhecido e, o que é pior, ao caos, se a nacionalidade não acordar depressa, antes que seja tarde demais. Publicado no Blog do Fausto Macedo/Opinião/Estadão Em 23 08 2022 voltar |
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