Compartilhe
Tamanho da fonte


ABUSOS NA TERRA SEM LEI
Acadêmico: José Renato Nalini
Além da destruição da floresta, da grilagem desembestada que não respeita demarcações, mas extermina sem dó o futuro na região Amazônica, os abusos ganham proporção inacreditável.

Abusos na terra sem lei

Quem continua surdo às ameaças golpistas e ao retrocesso em acelerada marcha neste pobre Brasil, deve prestar mais atenção àquilo que tem ocorrido neste solo amado. Além da destruição da floresta, da grilagem desembestada que não respeita demarcações, mas extermina sem dó o futuro na região Amazônica, os abusos ganham proporção inacreditável.

Homens armados, aquele exército que já supera em número o institucional, formado pelo Exército e pelas Polícias Militares, a serviço de garimpeiros criminosos, ameaçam funcionários da Funai – Fundação Nacional do Índio.

Isso aconteceu há pouco, na Terra Indígena do Vale do Javari, no Amazonas, base de proteção do rio Jandiatuba. Foi ali que assassinaram o indigenista Bruno Pereira e o jornalista inglês Dom Phillips, que causou mais comoção fora do Brasil do que nesta terra em que o absurdo já não consegue assustar ninguém.

Quem responderá pela corrida armamentista que entrega instrumentos letais de todo calibre, com a munição necessária, a pessoas que acreditam que matar é a resposta para os problemas humanos? Ninguém parece aturdido com a notícia de que os colecionadores e os “esportistas do tiro”, sejam hoje uma coletividade maior do que a soma de todos os integrantes das Forças Armadas e das 27 Polícias Militares juntas!

Precisar de arma para evidenciar sua razão já representa uma falha na autoestima. Pessoa civilizada recorre ao diálogo. Quem precisa do gatilho já começa perdendo. Noticia-se que esse crescente grupo vai formar partido político – mais um nessa coleção de entidades que vive com o dinheiro do povo para atuar contra o povo – e que tem dezenas de candidatos para o Parlamento. O que será do Brasil tão armado e tão mal-amado?

Pois os grupos paramilitares atuam com desenvoltura naquela terra sem lei. A Funai tem sido desprestigiada nestes anos, assim como as demais estruturas tutelares da natureza e do primitivo “dono da terra”, o indígena. Enquanto isso, os garimpeiros ilegais são prestigiados. Estimula-se o garimpo em demarcações indígenas. Fecham-se os olhos ao enriquecimento ilícito de exploradores de ouro e de outros minerais e não se quer investigar como esse patrimônio brasileiro chega ao mercado internacional. No Brasil, as organizações criminosas são poderosas e se sofisticam. E se valem dessa cultura da morte que distribui armas a mancheia, em lugar de livros.

Enfraquecidos, perseguidos porque cumprem a lei, os funcionários da Funai defrontam-se com grupo armado que atua junto às balsas garimpeiras de extração de ouro. Durante os últimos cinco anos, houve recrudescimento das atividades garimpeiras ao longo do leito do Jandiatuba e ali atuam grupos paramilitares fortemente armados. Tudo num Estado de direito de índole democrática, cujo pacto federativo reza a busca da paz e erigiu a fraternidade como categoria jurídica. É verdadeiramente surreal!

O medo apavora os servidores, vistos com desconfiança pelo governo. Apavora também os indígenas, que têm suas terras invadidas por inúmeras balsas de garimpo em plena atividade. A linha imposta pelo atual governo à questão ambiental ficou muito evidente quando o ministro da área propôs “soltar a boiada”, valendo-se do clima gerado pela pandemia que levou quase setecentos mil brasileiros, que poderiam estar vivos se as vacinas fossem aplicadas, em lugar de cloroquina. Exatamente por isso, o próprio Ibama alega não ser atribuição do órgão cuidar de licenciamento para exploração de potássio. Servidores subalternos não querem se indispor com a cúpula governamental, flagrantemente contra tudo o que lembre ecologia ou observância do artigo 225 da Constituição da República.

Invocam-se filigranas jurídicas para se recusar a enfrentar um negócio de legalidade mais do que discutível; ouve-se o recado claro para investir em garimpo naquela hileia verde que já foi promissora esperança brasileira, antes da transformação do Brasil em “pária ambiental”; a demora nas investigações de crimes cometidos; o desmanche da Funai, Inpe e Ibama. Não são sinais: são fatos! É preciso mais para concluir que a região Amazônica é um território onde o direito não penetra e onda a regra tem sido o abuso delitivo, com a conivência de quem deveria combatê-lo?

Publicado no Blog do Fausto Macedo/Opinião/Estadão
Em 21 08 2022



voltar




 
Largo do Arouche, 312 / 324 • CEP: 01219-000 • São Paulo • SP • Brasil • Telefone: 11 3331-7222 / 3331-7401 / 3331-1562.
Imagem de um cadeado  Política de privacidade.