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Acadêmico: José Renato Nalini Nossa sociedade é o convívio da suspeita. Suspeitamos dos outros e de suas intenções, não confiamos na solidariedade humana.
O medo nas cidades Uma companhia frequente nos munícipes é o medo. Há algumas décadas, as pequenas cidades não tinham violência. As delegacias eram repartições tranquilas. As celas prisionais permaneciam vazias. Isso já acabou. Hoje, não há município que tenha índice zero de criminalidade. Têm razão os que ficam apreensivos quanto aos deslocamentos de seus filhos. Nunca se pode ter certeza de que vão voltar. Antigamente, quem caminhava de madrugada pelas ruas tranquilas da Jundiaí antiga e ouvia alguns passos, tinha uma sensação agradável: "Não estou sozinho! Mais alguém percorre este caminho!". Hoje, o sentimento é outro: será que vou ser assaltado? O que aconteceu? O fenômeno é recorrente em todos os lugares. O pensador Zygmunt Bauman (1925-2017) escreveu o livro "Confiança e Medo na Cidade" para tentar explicar o que acontece. Há uma obsessão maníaca por segurança. Na minha área, ouvi milhares de vezes a pretensão de se obter "segurança jurídica". Algo totalmente inviável, no mundo de total insegurança em todas as áreas. O mundo do inesperado. Do imprevisível. Basta pensar aqui no Brasil: quem diria, há apenas dez anos, que estaríamos vivenciando este período surreal? Para Bauman, a evidência objetiva de vivermos em sociedades que estão entre as mais seguras das que já existiram no decorrer da história é habitada por um ser que se sente ameaçado e amedrontado, mais inclinado ao pânico e mais interessado em qualquer coisa que tenha a ver com tranquilidade e segurança do que em qualquer outro bem ou valor. A insegurança contNossa sociedade é o convívio da suspeita. Suspeitamos dos outros e de suas intenções, não confiamos na solidariedade humana.emporânea, em suas inúmeras manifestações, é marcada pelo medo dos crimes e dos criminosos. Embora a violência tenha sido enaltecida por aqueles que driblam o Estatuto do Desarmamento e incentivam a população "de bem" a se armar, estes também têm medo. E invocam o medo para se tornarem cada vez mais prontos a hostilidades cruentas em relação ao "inimigo". É o resultado de uma exacerbação do individualismo. Nossa era se construiu sobre a areia movediça da contingência: a insegurança e a ideia de que o perigo está em toda parte é algo inerente a ela. Tudo se torna ainda mais perigoso com o crescimento da exclusão. Aquele "incluído", usufrutuário das benesses derivadas de modernas tecnologias, destinatários de tudo o que a ciência oferece em termos de qualidade de vida, longevidade, possibilidade de viajar, procura guardar distância do "excluído". Por sua miserabilidade é com frequência associado à delinquência. Daí o preconceito, o racismo, a discriminação. Desaparece a ideia de solidariedade, trocada pela competição. As pessoas são indivíduos de direito, mas apenas formalmente. Não são na verdade cidadãos. A tragédia se intensifica porque a exclusão não é momentânea. Tem conotações e aparência de definitividade. A missão dos humanos de boa vontade é reconstruir as pontes demolidas e enfrentar o maior desafio da nacionalidade, depois da destruição dos biomas: a crescente, cruel e dramática desigualdade social entre os brasileiros. Só assim o medo irá embora. Publicado no Jornal de Jundiaí/Opinião Em 18 08 2022 voltar |
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