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Acadêmico: José Renato Nalini Podem dizer o que queiram. O modernismo é fenômeno paulista. Na verdade, paulistano. Isso fora detectado por Antônio Cândido, no livro “Literatura e Sociedade” de 1965.
Tinha de ser aqui Podem dizer o que queiram. O modernismo é fenômeno paulista. Na verdade, paulistano. Isso fora detectado por Antônio Cândido, no livro “Literatura e Sociedade” de 1965. Cinco grupos diferentes de escritores, desde a colônia até os modernos, participaram na vida social e espiritual da cidade de São Paulo. Tanto os românticos de 1845 quanto os modernistas de 1922, criaram uma literatura de tonalidade paulistana. O grande Mestre salienta que “em 1922, como em 1845, um grupo literário se constituiu em oposição consciente à comunidade, na afirmação de uma existência própria. Em 1845, porém, a oposição era entre duas visões do mundo e, por assim dizer, entre duas idades – adolescência e maturidade. Em 1922, era, além disso, de uma literatura a outra – pois o que se desejava era destruir um sistema literário solidamente constituído, coisa inexistente em São Paulo ao tempo do Romantismo”. Dois autores respeitados, Mário da Silva Brito, autor de “História do Modernismo Brasileiro: I – Antecedentes da Semana de Arte Moderna”, de 1964 e Wilson Martins, com “O Modernismo”, de 1962, concordam que a inspiração do modernismo foi urbana e paulistana. Menotti del Picchia, em 1920, fala da “agitação da grande cidade, da grande feira”, da “fome de ouro, monstruosa” e observa que “a luta agrícola, comercial, industrial, com maquinismos e bancos em vez de arcabuzes, calafriou os nervos dos nossos artistas”. Para Silva Brito, “o modernismo, nessa etapa, é um movimento de cidade, decorre da idade urbana, e, mais do que brasileiro, é paulista”. A Semana de Arte Moderna de 1922 foi a revolução literária mais profunda do Brasil. Não movimento apenas, foi, como dizia Sérgio Milliet, um “estado de espírito”. Foi o ápice de um processo intelectual que se desenvolveu em três fases: poesia (década de 1920), romance (década de 1930) e crítica (década de 1940). Ciclo encerrado em 1945, com a profissionalização dos escritores, que se reuniram no I Congresso Brasileiro, a poesia reunida e crítica de Oswald de Andrades, a publicação de entrevistas de Mário Neme com a Nova Geração e a morte de Mário de Andrade. Este foi um “Papa minoritário e contestado, confinado no Avignon espiritual da rua Lopes Chaves”, na instigante expressão de Wilson Martins. Esta “Pauliceia Desvairada”, esta conurbação insensata, já recebeu inúmeras versões escritas, fotografadas, filmadas, televisionadas e teatralizadas, que captaram imagem multidimensional. E continua a surpreender, com a profusão de jovens artistas, em todas as expressões da arte, a tentar captá-la. Talvez quem melhor a descreveu foi o próprio Mário de Andrade. Ao comparar a cultura popular de Rio e São Paulo, ele conta que aqui ela é “caipira de serra-acima, conservando até agora um espírito provinciano servil”. Só que se transformou e se tornou moderna, “pela sua atualidade comercial e sua industrialização, em contato mais espiritual e mais técnico com a atualidade do mundo”. Já o Rio possuía o cosmopolitismo e a “malícia vibrátil” de cidade que foi capital, é porto e tudo ajuda que sua realidade se funda com o exotismo folclórico, o ruralismo e um “caráter parado tradicional”, o que não ajuda a desenvolver o modernismo”. Tudo em São Paulo é mais desenvolvido, atualizado e dinâmico do que no Rio. As mídias, as redes sociais, a televisão, as empresas. Os grandes espetáculos têm lugar nas múltiplas salas e enormes auditórios. Por isso ela merece o título de “metrópole cultural”. Não é colônia cultural, mas uma fonte inovadora de estilos, ideias e formas culturais. Consegue moldar as influências alienígenas com suas tradições e configurações próprias a uma história de que tem orgulho, pois de São Paulo saiu praticamente tudo: a extensão territorial do Brasil, a independência, a renovação do ensino universitário, com a instalação da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, antes mesmo do funcionamento da irmã-gêmea de Olinda, depois transferida para o Recife. Aqui a Semana de Arte Moderna sacudiu o Brasil, que depois metralhou São Paulo em 1924, a partir de 1930 passou a hostilizá-la, o que fomentou o heroísmo nunca jamais suplantado de 1932. Com tudo isso, convertendo-se na maior conurbação da América Latina, São Paulo sempre cultivou discreta e serena modéstia. Tal como se verifica no final do livro “O movimento modernista” de Mário de Andrade: “Eu creio que os modernistas da Semana de Arte Moderna não devemos servir de exemplo a ninguém. Mas podemos servir de lição. O homem atravessa uma fase integralmente política da humanidade. E apesar da nossa atualidade, da nossa nacionalidade, da nossas universalidade, uma coisa não ajudamos verdadeiramente, duma coisa não participamos: o amilhoramento político-social do homem. E esta é a essência mesma da nossa idade”. Mário de Andrade tem razão. O que diria se estivesse fisicamente ainda aqui conosco, diante de tantos absurdos, que caracterizam evidente retrocesso? Reaja São Paulo e mostre ao Brasil que aqui existe brio e vergonha. Publicado no Blog do Fausto Macedo/Opinião/Estadão Em 17 08 2022 voltar |
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