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JOSÉ BONIFÁCIO, O ABOLICIONISTA
Acadêmico: José Renato Nalini
Os negros sabem que uma abolição como a pretendida por José Bonifácio de Andrada e Silva ainda não ocorreu.

José Bonifácio, o abolicionista

O santista José Bonifácio de Andrada e Silva ainda precisa ser descoberto pela maioria dos brasileiros. Interessei-me por sua existência aventurosa, a partir do ingresso à Academia Paulista de Letras, pois ele é o Patrono da Cadeira 40, a última destinada a intelectuais bandeirantes. Escolha de José Feliciano de Oliveira, um jundiaiense também à frente de seu tempo.

Tentei redigir algo a respeito de sua biografia, sintetizando-a para interessar à mocidade. É o primeiro volume da Coleção APL, resultado de um acordo de cooperação entre a APL e a IMESP, hoje incorporada à Prodesp e com lamentáveis hiatos na produção de outros volumes dessa tão promissora iniciativa.

Há muitas biografias de José Bonifácio, das quais a mais instigante é a de Mary Del Priore, hoje também integrante da Casa de Cultura por excelência do Largo do Arouche. E Miriam Dolhnikoff, também autora do livro “José Bonifácio”, observa que o Patriarca, “formado na Ilustração, acreditava no poder da razão e do conhecimento científico para moldar os homens e seu meio. Por isso, ao seu ver, o cientista não poderia ficar preso em seu gabinete, envolto em livros e absorto em teorias, mas deveria se dedicar à resolução dos problemas que afligiam a sociedade e obstruíam o progresso material”. É algo que ainda falta à imensa maioria dos scholars brasileiros. Produzem farto material teórico, embrenham-se em filigranismo – principalmente na área jurídica – e não conseguem resolver problemas cruciais. De que vale uma pós-graduação, se não vier a impactar a realidade?

Bonifácio deixou o Brasil aos vinte anos e foi estudar em Coimbra. Não apenas direito, mas filosofia, que incluía ciências naturais. Daí sua paixão pela mineralogia. Ocupou vários cargos públicos, concretizou aquilo que aprendera na exploração de carvão, fundição de ferro e outros campos em que se estimulasse a manufatura, para que as pessoas tivessem ocupações lucrativas e que incorporassem os avanços científicos à convivência social.

Permaneceu em Portugal mesmo com a invasão napoleônica, lutou contra os franceses e só retornou ao Brasil aos 56 anos, desgostoso com a burocracia que impunha entraves às suas propostas.

As circunstâncias impuseram a ele uma atividade essencial à declaração de ruptura entre Brasil e Portugal. Ele havia estudado o que de mais adiantado existia na Europa. No Brasil, a civilização não chegara. Vivia-se uma barbárie. A sociedade escravagista era o símbolo do atraso e não só o povo estava mergulhado na ignorância, mas também os integrantes da elite branca, ociosa e confiante na perpétua exploração dos escravizados.

Dessa condição, diz a historiadora Miriam Dolhnikoff, “resultava a violência, o ócio e o isolamento que marcavam o cotidiano dos grandes proprietários, incapacitados, portanto, para o exercício da cidadania e do compromisso com o bem comum. Em razão da escravidão, aferravam-se ainda a práticas agrícolas tradicionais, com a devastação das matas que empobrecia os recursos naturais, e resistiam à modernização das técnicas utilizadas na agricultura”.

Daí o seu empenho em abolir a escravidão, integrar o indígena, disseminar a educação e promover a mestiçagem. O propósito seria criar um povo homogêneo, única fórmula de gerar o sentimento nacional e a aptidão para a cidadania.

A visão bonifaciana sobre o negro é ainda atualíssima: os africanos, em virtude da escravidão, eram refratários à civilização branca, da qual recebiam excessivo trabalho braçal, açoite e isolamento nas senzalas. “O negro africano era, assim, um bárbaro em terras brasileiras, não por sua natureza, mas por ser escravo. Era a escravidão que o barbarizava, não sua origem, cor ou raça”.

Tão sensata e lúcida a posição de José Bonifácio, que atraiu irada reação do “Centrão” da época. Em julho de 1823 foi excluído do ministério. Voltou à condição de deputado da Assembleia Constituinte, apresentou projeto de lei que exterminava o tráfico negreiro e adotava a abolição gradativa da escravatura. O projeto não chegou a ser examinado e votado, pois Pedro I dissolveu a Constituinte. O prêmio do patriota, “Patriarca da Independência”, foi o exílio na França.

Era um brasileiro visionário, o que continua a ser pecado mortal em terra de orçamento secreto, Fundões Eleitoral e Partidário, reeleição e dezenas de partidos que só servem para enriquecer seus dirigentes. As engrenagens sempre pútridas da conquista do poder pela mera volúpia de exercer o poder em seu próprio e exclusivo benefício, o moeram. Isso persiste como característica tupiniquim inextirpável. E os negros sabem que uma abolição como a pretendida por José Bonifácio de Andrada e Silva ainda não ocorreu.

Publicado no Blog do Fausto Macedo/Opinião/Estadão
Em 16 08 2022



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