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ONDE FOI PARAR O PATRIOTISMO DOS MOÇOS?
Acadêmico: José Renato Nalini
Ouvi que “ninguém morre por uma Constituição”. É uma pena! Houve quem se propusesse a tanto e houve quem morreu por essa causa.

Onde foi parar o patriotismo dos moços?

Ouvi estes dias, em celebração dos 90 anos da Revolução Constitucionalista de 1932, que “ninguém morre por uma Constituição”. É uma pena! Houve quem se propusesse a tanto e houve quem morreu por essa causa.

Lembro-me de Luc Ferry, que narra episódios de sua infância. Quando a professora indagava quem morreria pela França, quase toda a sala de aula se levantava, pronta para enfrentar todos os perigos, movida por patriotismo.

Este sentimento já existiu no Brasil. Um episódio emblemático ocorreu em 1941, envolvendo as Arcadas, o “território livre” do Largo de São Francisco.

Estudantes de algumas faculdades da Universidade de São Paulo resolveram propor fosse conferido a Getúlio Vargas o título de “Doutor honoris causa”. A ideia partiu de José Gomes Talarico e de organizações de esportes universitários que ele dirigia. Quem conta é John W. Foster Dulles, no livro “A Faculdade de Direito de São Paulo e a resistência anti-Vargas”. Talarico era amigo do Ministro da Educação, Gustavo Capanema e se beneficiava do patrocínio de viagens com que Vargas queria conquistar a juventude das Faculdades.

O Presidente do XI de Agosto, Luis Leite Ribeiro, não concordou. Mas o primeiro orador do Centro, o conservador Péricles Rolim, foi a favor do título. Os ativistas contra Vargas protestarem veementemente contra a outorga de título que fora entregue a Francisco Morato, Júlio de Mesquita Filho e Armando de Sales Oliveira.

Capanema ficou sabendo e conversou com Benjamin Vargas, irmão do presidente, dizendo que “paulistas de 400 anos” se opunham à homenagem. “Benja”, uma eminência parda do ditador, ligou para o Secretário da Justiça de são Paulo, Abelardo Vergueiro César que comunicou do problema o interventor Fernando Costa.

Talarico insistia e foi procurar Cândido Mota Filho, diretor do DEIP, que alimentava a esperança de ser interventor no lugar de Fernando Costa. Conseguiu levar um grupo de estudantes pró-Vargas até o interventor, para reforçar a ideia. Queriam que Fernando Costa insistisse junto ao Reitor da USP, Jorge Americano, no sentido da efetiva outorga do título. Embora Fernando Costa recomendasse que eles nada dissessem ao ditador antes da aprovação, junto com Casper Líbero visitaram Getúlio e anunciaram que ele seria “honoris causa” da USP.

Fernando Costa pediu urgência ao Conselho Universitário e, à exceção do Professor Ernesto Leme, representante da Faculdade de Direito, e do aluno Rui Homem de Melo Lacerda, que ali estava em nome dos estudantes, todos os demais aprovaram a concessão. Jorge Americano então comunicou oficialmente Getúlio Vargas, dizendo que ele fora “o instituidor do ensino universitário no Brasil”.

O Centro 11 de Agosto fez sessão extraordinária em 23.9.1941 e Germinal Feijó evocou os nomes dos estudantes de Direito mortos na Revolução de 1932. A cada nome pronunciado os estudantes gritavam “presente”. O encontro se encerrou com muitos “morra Getúlio”.

Wilson Rahal afirmou que chegara a hora de escolher entre a morte e a dignidade, “porque os velhos perderam a dignidade, mas os moços têm dignidade”. Os estudantes quiseram cobrir a Faculdade com crepe negro. Começaram a percorrer a cidade, com o objetivo de fazer a população aderir à causa. O movimento contra o título ganhou força e mais passeatas anti-Vargas ocorriam. Anacleto de Oliveira Faria, o historiador da turma que iniciou seu bacharelado em 1941, narra o sério incidente ocorrido entre os alunos e o diretor Cardoso de Melo Neto. A Faculdade de Direito foi fechada por tempo indeterminado, “por necessidade de disciplina”.

Entra em ação Gustavo Capanema, o conciliador. Chegou do Rio a São Paulo de trem, a 2 de outubro. Começa a conversar com todos. Com o Reitor, com os diretores das faculdades, com o presidente do Centro 11 de Agosto. Germinal Feijó e Roberto Costa de Abreu Sodré estavam escondidos numa cabana em Santo Amaro. Souberam que Capanema os convidou para um encontro na sexta-feira, 3.10.1941.

O ministro foi polido e cordial. Explicou que Getúlio estava disposto a abrir mão da homenagem. Mais ainda, enviou ofício ao Reitor, dizendo que o Presidente estava agradecido, mas havia decidido recusar o título, porque não desejava reviver “a recordação das ocorrências felizmente encerradas”.

A diretoria da FADUSP comunicou que os docentes resolveram voltar às aulas, os alunos encerraram a greve. Apenas declararam José Gomes Talarico “persona non grata” na Faculdade de Direito.

Tempos de brio, de dignidade, de coragem. Onde foi parar o patriotismo acadêmico?


Publicado no Blog do Fausto Macedo/Opinião/Estadão
Em 13 08 2022



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