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Acadêmico: José Renato Nalini Que prevaleça a sensatez, para que esta página miserável da História seja de fato virada e só permaneça como recordação e alerta.
Os brios estão vivos Cento e noventa e cinco anos depois da instalação da Faculdade de Direito de São Paulo, as Arcadas mostram que dali continuam a sair gestos corajosos, a cada vez que a Pátria se vê ameaçada. O sesquicentenário da Escola jurídica bandeirante, que tantas glórias ofereceu ao Brasil, foi celebrado com a leitura da “Carta aos Brasileiros”, no território livre ocupado pelos estudantes. Quarenta e cinco anos depois, uma segunda Carta conseguiu amealhar, em vinte e quatro horas, trezentas mil assinaturas. E foi crescendo a adesão de brasileiros de todos os lugares, cujo número ultrapassará um milhão de crentes na Democracia. Raras vezes se viu uma congregação de posturas antagônicas, de confissões religiosas distintas, de ideologias conflitantes, em uma união que é muito clara e incisiva: quando ameaça grave prenuncia ruptura institucional e retrocesso do estado de direito, justifica-se olvidar diferenças de concepção de vida para se unir em prol do ideal maior e com o qual não se pode transigir: a preservação da saúde democrática de uma nação acuada. Como fremiram os corações aos sinais emitidos e reiterados. O Brasil já experimentou ditaduras e não as suportará novamente. Instigante a constatação de Simon Schwartzman, em “Bases do Autoritarismo Brasileiro”, quanto ao “fato de o principal Estado da Federação brasileira, São Paulo, nunca ter desempenhado um papel político correspondente à sua importância econômica e demográfica no contexto nacional. São Paulo, desde o início do século XX, tem sido o setor maior, mais rico, mais industrializado e moderno do país. Existe ampla evidência, no entanto, de que esse desenvolvimento social e econômico progressivo tem sido acompanhado de relativa debilidade política”. Verdade que, desde a Revolução de 1932, a São Paulo se reservou um papel subalterno na representação parlamentar federal. Mas é de São Paulo que surgem os gestos de heroísmo como a ruptura com os laços da metrópole, a luta contra a ditadura Vargas, as grandes concentrações populares, o ingrediente intelectual para a elaboração de documentos como as Cartas cuja leitura hoje se fará. A participação de setores múltiplos, com raízes históricas e linhas de desenvolvimento específico no seio da sociedade, ao se unirem pela mesma causa, evidencia o papel relevante do discurso adotado. Documentos escritos, serão também lidos, sinal promissor de que a retórica, na antiguidade, como disciplina do saber e atividade prática, foi reprimida pelas tiranias e floresceu nos períodos de maior liberdade e democracia, ainda tem espaço entre os juristas. Já observava Boaventura de Sousa Santos, em “O discurso e o poder”, que o renascimento da retórica pode ser considerado “um sintoma da redemocratização da vida social e política depois do holocausto, da guerra e do fascismo”. Em etapas melancólicas de uma disseminação assaz ignorante do obscurantismo, do negacionismo, do terraplanismo e de outras evidências do retrocesso da inteligência e da razão, é confortador constatar que a cidadania não se acovarda. Ante o declínio da verdade, essa notória debilidade dos fatos e de suas análises racionais, o cidadão de bem – a imensa maioria da população brasileira – não pode manter postura inercial. No ensaio “A mentira na política”, há mais de um século Hannah Arendt escreveu: “O historiador sabe o quão frágil é a tessitura dos fatos no cotidiano em que vivemos. Ela, a verdade, está sempre correndo o risco de ser perfurada por uma única mentira ou despedaçada pela mentira organizada de grupos, países ou classes, ou negada e distorcida, muitas vezes cuidadosamente acobertada por calhamaços de mentiras, ou simplesmente autorizada a cair no esquecimento. Fatos necessitam de testemunhos para serem lembrados, e de testemunhas confiáveis para serem oficializados, de modo a encontrar um lugar seguro para habitar o domínio dos interesses humanos”. Hoje, onze de agosto de 2022, haverá testemunhas presenciais e milhões de outras que, pelo milagre das comunicações robustecidas pelas tecnologias da informação, ganharão redes sociais, blogs, sites, jornais e periódicos. Ficará na história o brado por liberdade plena e por efetiva democracia, sem qualquer possibilidade de retorno a um passado autoritário. O brio dos paulistas e dos brasileiros está vivo e, se Deus quiser, não precisará deixar a folha dobrada para ir morrer. Que prevaleça a sensatez, para que esta página miserável da História seja de fato virada e só permaneça como recordação e alerta. Pois a democracia não está imune a armadilhas. Publicado no Blog do Fausto Macedo/Opinião/Estadão Em 11 08 2022 voltar |
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