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A AMAZÔNIA JÁ FOI AMADA
Acadêmico: José Renato Nalini
A passividade dos brasileiros em relação ao extermínio de tudo o que a Amazônia tem de bom – verde, água, biodiversidade e povos indígenas, os primeiros habitantes do território que preservaram durante milênios – resulta, em boa parte, do desconhecimento.

A Amazônia já foi amada

A passividade dos brasileiros em relação ao extermínio de tudo o que a Amazônia tem de bom – verde, água, biodiversidade e povos indígenas, os primeiros habitantes do território que preservaram durante milênios – resulta, em boa parte, do desconhecimento. A maioria dos nacionais ignora o que represente aquela exuberante região, importante para todo o planeta. Por isso é que a lucidez do mundo está mais preocupada com o destino da área saqueada e vilipendiada, do que o próprio povo que invoca sua soberania, mas não a faz valer em defesa desse incalculável patrimônio.

Falta maior interesse das editoras universitárias, das próprias Universidades e das Academias para a publicação de livros, dissertações e teses que contemplem aquele paraíso. Isso já ocorreu com frequência maior, por exemplo, quando era Reitor da USP o Professor Waldyr Muniz Oliva e Presidente da EDUSP o Prof. Mário Guimarães Ferri. Foi publicado o livro “Um naturalista no Amazonas”, viagem de Henry Walter Bates (1825-1892), com descrição e viagens que incluíram botânica e zoologia, história natural, a questão indígena e outros aspectos daquele surpreendente espaço da Terra.

Lamentavelmente, a IMESP – Imprensa Oficial do Estado de São Paulo foi incorporada à PRODESP, cuja finalidade não é a edição de livros institucionais, verdadeiramente artísticos, de que nosso Estado e o Brasil já se ressentem.

Muito interessante a narrativa de Bates, que já menciona a saúva, que no meu tempo de criança estava presente em todos os discursos: “ou o Brasil acaba com a saúva, ou a saúva acaba com o Brasil”. Ele constatou que, “além de prejudicar e destruir as árvores novas, despojando-as de suas folhas, a saúva traz problemas para os homens devido ao seu hábito de pilhar à noite as despensas das casas, já que essa formiga é mais ativa à noite do que durante o dia”. Faz lembrar os conciliábulos noturnos em restaurantes nababescos naquela Ilha de horrores que é Brasília, cenário de conchavos para orçamentos secretos e formulação de teorias conspiratórias, além de disseminar o negacionismo e o armamentismo nefasto.

Bates veio ao Brasil com Alfred Russell Wallace em 1848. Wallace aqui permaneceu durante três anos, mas Bates ficou até 1859, coletando na região amazônica mais de oito mil espécies, que remeteu ao Museu Britânico. Dentro em breve, as novas gerações de brasileiros terão de ir ao fabuloso acervo em Londres, para saber o que um dia existiu em sua pátria.

O livro é muito agradável. Embora escrito por cientista, ele torna interessante a viagem, como se o leitor participasse dela. Ele minudencia os detalhes do percurso, o seu avanço ao longo da margem esquerda do Solimões. “A estação das chuvas se implantara na região banhada pelo grande rio; os bancos de areia e todas as terras baixas já se achavam alagadas, e a forte correnteza, de três ou quatro quilômetros de largura, passava levando uma infindável série de árvores arrancadas e de ilhas flutuantes. As perspectivas eram melancólicas; não se ouvia outro som a não ser o surdo murmúrio das águas; as margens ao longo das quais viajávamos o dia todo mostravam-se atravancadas de árvores caídas, algumas delas com a ramagem flutuando tremulamente na correnteza ao redor de pequenas pontas de terra”.

Àquele tempo existiam as mutucas, velha praga bem conhecida de quem viaja pela floresta. Entretanto, “garças brancas podiam ser vistas em profusão à beira da água, e em alguns lugares, bandos de beija-flores zumbiam ao redor das flores”. Tudo isso hoje deixou de existir. Incêndios, desmatamentos, grilagem, invasões, universo entregue à bandidagem organizada e transcontinental, convertem os testemunhos em ficção da qual os patriotas de verdade extraem todos os motivos para um lamento.

A impressão que o inglês teve dos índios enfatiza a sua bondade, a ausência de ambição, um espírito de camaradagem. Os brasileiros da Amazônia, na segunda metade do século XIX, nem de longe sugeriam que a soltura de “boiadas” e de “boiadinhas” faria proliferar na região a pior espécie que o gênero humano já produziu. Ao contrário, para o britânico, “alguns dias de convivência com o povo do lugar e de andanças pelas matas das redondezas me convenceram de que eu poderia instalar-me ali por uma longa, agradável e frutífera temporada. Para dar uma ideia do tipo de gente com quem eu iria conviver, basta-me mencionar as primeiras pessoas com quem travei conhecimento ao chegar. Quando desembarcamos, o proprietário do barco mandou matar um boi em nossa honra e, no dia seguinte, me apresentou aos mais importantes habitantes do povoado”.

Desgraçadamente, não é mais esse o espírito do lugar, depois de infestado de péssimos elementos, de mesquinhos ambiciosos, que preferem ouro e posse de terras a qualquer respeito em relação à humanidade.

Publicado no Blog do Fausto Macedo/Opinião
Em 09 08 2022



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