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HEROÍSMO ACADÊMICO
Acadêmico: José Renato Nalini
A resistência dos acadêmicos da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco à ditadura Vargas precisaria ser reverenciada para servir de estímulo aos estudantes de hoje.

Heroísmo acadêmico

A História da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco é um legado de heroísmo e de bravura. A resistência dos acadêmicos à ditadura Vargas precisaria ser reverenciada para servir de estímulo aos estudantes de hoje. Pois há muita semelhança entre o que se vivia na primeira metade do século XX e os dias que correm.

Uma das páginas interessantes é o Baile das Américas, realizado na noite de 30 de outubro de 1943. Tudo transcorria bem, quando, por volta das três e quinze da manhã de 31, a orquestra que tocava Glen Miller foi interrompida pelo aluno Lenício Pacheco Ferreira, que gritou: “Neste Baile das Américas, a mais tradicional festa do Onze de Agosto, vamos aproveitar para declamar: “Oh! Valente legionário/ Do Corpo Expedicionário/ Por que vais lutar a esmo/ Se a luta cruenta e fria/ É pela democracia. /Vamos travá-la aqui mesmo!”

Os versos foram escritos pelo jovem José Gonçalves Santana, poeta conhecido como Juca Santana, depois magistrado no TJSP. Seguiram-se brados “Morra Getúlio Vargas” e “Abaixo a ditadura”.

Às cinco e meia da manhã, Lenício foi “convidado” por dois agentes de polícia a acompanhá-los. Mas um grupo de cerca de vinte estudantes o arrebatou das mãos da polícia e ele pode treinar no programa do Departamento de Aeronáutica, na condição de piloto.

Houve prisão de vários estudantes, dentre os quais Hélio Mota, presidente do Onze de Agosto. Coriolano de Góis, Secretário de Segurança do Estado, não tinha pressa de soltar Hélio Mota. Ao receber uma comitiva de alunos e professores da São Francisco, intercedendo pela soltura do estudante, respondeu: “Benzam a Deus não ter eu que ir à faculdade, pois se isso acontecer, não medirei consequências e, se preciso for, atirarei nos estudantes, fazendo correr sangue”.

A situação estava ficando grave e Luís Arrobas Martins, atuante aluno das Arcadas, redigiu um manifesto: “Nós, os estudantes de Direito, juntamente com os universitários das demais escolas superiores de São Paulo, nos colocamos à frente de nosso povo, nas ruas, para exigir uma definição do país em face da agressão fascista. Nós nos mantivemos até agora calados, à espera de uma atitude digna do governo. Entretanto, agora já não é possível contemporizar. Um ato nitidamente fascista do governo, veio ferir em cheio o coração e os brios da mocidade. Pela primeira vez na história da existência de nosso glorioso Centro Acadêmico Onze de Agosto, foi arbitrariamente preso o seu presidente. Preso por que? Porque manifestou “ideias contrárias ao regime”, afirmam os responsáveis por sua prisão. Seria isso crime num país democrático? Não!”.

Por causa disso, Coriolano deu ordens para que a violenta Polícia Especial, sob o comando do major Anísio Cardoso de Miranda, enviasse um batalhão de choque para prender os estudantes e fechar o Centro. Às duas e meia da manhã, caminhões e carros blindados com quase duzentos membros da Polícia Especial, armados com metralhadoras, fuzis com baionetas e aparelhos que desprendiam gás, desencadearam ataque vigoroso. Coronhadas de fuzil deixaram estudantes estatelados no chão e feriram mais de trinta. O fogo das metralhadoras e tiros de revólver danificaram as paredes. Mobílias, manuscritos e relíquias foram destruídos e uma baioneta rasgou valiosa pintura antiga de D. Pedro II.

Atacados por coronhadas de fuzil e cacetadas, os estudantes eram empurrados para os veículos. A maioria foi presa na Superintendência da Ordem Política e Social no largo General Osório, onde já estava detido Geraldo de Camargo Vidigal. Alguns outros foram mandados para a Casa de Detenção. Os professores José Soares de Melo, Waldemar Ferreira e Ernesto Leme foram postos em prisão domiciliar.

Quase todos ficaram presos de 2 a 5 de novembro de 1943. Os interrogatórios eram acompanhados de socos na cabeça e nos ouvidos. Quando soltos, fizeram uma “passeata do silêncio” no dia 8, véspera do golpe que instaurou o Estado Novo em 1937. Coriolano mandou a Polícia Especial e esta atirou na multidão. Matou Jaime Carlos da Silva Teles, primo de Gofredo e a italiana Domingas Covelli, de 65 anos. O menino José Emigdio de Barros teve de cortar a perna em virtude de um tiro. Vários alunos da São Francisco ficaram gravemente feridos.

Na tarde de 10 de novembro, enquanto o aniversário do Estado Novo era celebrado no Teatro Municipal, milhares de pessoas enfrentaram a chuva e foram ao Cemitério da Consolação para o enterro de Jaime da Silva Teles. Benjamin Vargas mandou um recado para Coriolano: “peça demissão, porque senão ela sairá daqui (do Rio)”.

Eram tempos de protagonismo. Estudantes de Direito se preocupavam com a Democracia e repudiavam Ditaduras e autoritarismo.

Publicado no Blog do Fausto Macedo/Opinião/Estadão
Em 08 08 2022




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