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ASSIM CAMINHA A DESUMANIDADE
Acadêmico: José Renato Nalini
Quem se regozijou com a Constituição Cidadã em 1988, não imaginaria que trinta e três anos depois, veria tantas afrontas aos postulados formalmente assegurados pelos constituintes.

Assim caminha a desumanidade

Quem se entusiasmou com o retorno à democracia em 1985 e se regozijou com a Constituição Cidadã em 1988, não imaginaria que trinta e três anos depois, veria tantas afrontas aos postulados formalmente assegurados pelos constituintes.

Todos os apelos que a minoria lúcida faz para a turba ignara que continua a destruir todos os biomas e a acabar com a biodiversidade, no afã de obstaculizar qualquer possibilidade de observância do artigo 225 do pacto fundante, redundam em vão. Debalde a própria natureza envia contundentes recados para os ambiciosos e ignorantes exploradores de um patrimônio que não construíram, mas que estão conseguindo exterminar. Eles parecem tomados por uma energia demoníaca. Somente um exorcismo para freá-los.

O Nordeste, que se tornou seco e árido ante o desmatamento iniciado com o extrativismo colonial e que nunca mais cessou, agora recebe precipitações pluviométricas intensas. Mata inocentes. Rio Grande do Norte, Pernambuco e Alagoas sofrem com isso. O Word Weather Attribution divulgou estudo realizado por cientistas do Brasil, Reino Unido, Holanda, França e Estados Unidos, com análise desses eventos e sua vinculação com o aquecimento global. Está mais que comprovado que a insensatez do bicho-homem é causadora de todos os males que ceifam vidas e colocam ao desabrigo principalmente as camadas mais vulneráveis.

A mídia espontânea tem mostrado que a ocupação insana de áreas antes cobertas por mata nativa foi acelerada nestes meses. Os anistiados pelo governo pressentem que poderá ocorrer mudança de cenário a partir de janeiro então apressam-se a derrubar o que ainda está em pé.

Mas o Parlamento, que deveria ser o poder mais próximo à população, cujos interesses – teórica e formalmente – precisa defender e assegurar, persiste na sanha suicida. Sim, suicida, porque a escolha do Legislativo brasileiro tem sido a corrida rumo à inexistência de condições para a continuidade de qualquer espécie de vida neste sofrido globo.

Além de investir na introdução de herbicidas venenosos, tanto que a proposta é chamada por todos de “lei do veneno”, a toque de caixa aprova projeto de lei que autoriza quitação ou parcelamento de multas aplicadas pelo IBAMA, o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente aos infratores ecológicos.

O projeto integra o conjunto que todos chamam, jocosamente – enquanto a população depois vai chorar copiosamente… – de “boiadinha”, referência ao “soltar da boiada” que um ministro contra o meio ambiente anunciou em abril de 2020, em catastrófica e memorável reunião ministerial.

As multas ambientais são pífias. Elas são simbólicas. Serviriam de admoestação moral e de tentativa pedagógica de fazer com que os infratores se convertam para o racional, que é a urgente defesa do meio ambiente. A maior parte delas prescreve, pois o Estado não tem estrutura para cobrá-las. O governo tem criado inúmeras fugas para anistiar os malfeitores. Uma delas foi instituir um sistema de “conciliação” que, sem estrutura nem funcionários, vai fazer com que a quase totalidade das sanções pecuniárias prescreva. As demais já prescrevem mesmo, pois há defecções naturais, perseguições, punições, ameaças, que esvaziam os quadros funcionais preordenados à defesa do ambiente.

Agora os dendroclastas poderão satisfazer as multas risíveis – como calcular o prejuízo adveniente da derrubada de uma árvore que demorou um milênio ou centenas de anos para crescer? – com parcelamento por sessenta meses! Cinco anos! E com 90 de redução dos encargos. Parece piada! Só que de mau gosto!

Quem indenizará as futuras gerações dessas aberrações?

Ainda que desfalcado, o IBAMA conseguiu lavrar 8.333 autos de infração em 2020 e isso significa R$ 2.147.917.726,42 que o governo federal abriu mão de receber. Renúncia fiscal agora é a regra num Brasil sem freios e com uma Suprema Justiça que prefere viajar para o exterior, a zelar pelos superiores interesses dos brasileiros.

Será que um dia esta República será séria e cumprirá a Constituição que o único titular da soberania, o povo, elaborou quando encarregou os constituintes de redigirem um pacto federativo tão ambicioso e tão ultrajado? Acredite quem quiser.

Publicado no Blog do Fausto Macedo/Opinião/Estadão
Em 05 08 2022



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