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Acadêmico: José Renato Nalini Corrigir erros de português é uma descriminação que pode gerar intensificação de complexo de inferioridade. Não concordo. Mas parece que a maioria parece concordar.
Tá ligado? A língua é minha Pátria, foi a célebre afirmação de Fernando Pessoa. Pela linguagem nos comunicamos e quem não se comunica fica isolado, angustiado, deprimido e descartado. A linguagem é um dom, assevera Theodore Dalrymple, autor de “Não com um estrondo, mas com um gemido”, análise do declínio da política e da cultura em nosso milênio. Esse ensaísta britânico é médico e, depois de muitos anos de experiência na medicina, o que o impressionava no trato dos pacientes era “sua incapacidade de expressar-se com destreza – e isso depois de terem se submetido a onze anos de educação compulsória (ou, para sermos mais precisos, depois de terem frequentado a escola”. Ele fala da Inglaterra, sede do “império em que o sol nunca se punha”, tamanho o seu poderio e imensidão. Observa que, “com um vocabulário assaz limitado, não é possível fazer, ou expressar, distinções importantes, nem examinar nenhuma questão com algum cuidado conceitual. Meus pacientes muitas vezes só conseguiam descrever o que sentiam de forma muito rude, valendo-se de expostulações, exclamações e demonstrações físicas de emoção”. E no Brasil? É diferente? Diria que não. Talvez seja pior. Tenho visto a utilização excessiva de expressões que servem de muleta, diante da falta de vocabulário. Duas delas me chamam especialmente a atenção: “tipo”, que serve para tudo, e “tá ligado?”, com que termina toda frase incompleta de quem não consegue encerrar uma fala de maneira minimamente inteligível. É óbvio que a ortodoxia linguística está sendo impunemente violada e há quem sustente “que nenhuma língua ou dialeto é superior a outra e que as formas de comunicação verbal não podem ser hierarquizadas de acordo com sua complexidade, expressividade ou outra virtude qualquer”. Para quem pensa assim, “as tentativas de importar a suposta “correção” gramatical aos falantes nativos de um dialeto “incorreto” nada mais são do que um exercício irreconhecido e opressor de controle social; trata-se do meio pelo qual as elites despojam povos e classes sociais inteiras de sua autoestima e os mantêm em permanente subordinação. Se convencidos de que não conseguem falar a própria língua adequadamente, como não se sentirão indignos, humilhados e desprivilegiados?”. Para o pensador britânico, “a recusa em ensinar a gramática formal é tão coerente com a compreensão correta da natureza da linguagem quanto é politicamente generosa, uma vez que confere igual prestígio a todas as formas de fala e, portanto, a todos os falantes”. Pessoalmente, resisto a aceitar a tese de que equivalem o bom uso do vernáculo e o incentivo a qualquer outra espécie de linguagem. Não consigo deixar de pensar que o abuso no emprego do “tipo” e “tá ligado?”, exprime certa indigência vocabular. A língua portuguesa possui mais de meio milhão de verbetes. Com cerca de cinco mil deles, Machado de Assis produziu uma obra imperecível. Não soa como música, em meus ouvidos, ouvir “tipo” como substituto à palavra que o emissor não encontra ou não conhece. Nem me agrada o “tá ligado?”, que é uma espécie de admoestação, equivalente ao “entende?” de que outros também se servem de maneira superabundante. Mas aceito o fato incontestável de ser voto vencido. O inglês Steven Pinker escreveu “O instinto da linguagem”, que já atingiu cerca de trinta edições. Para ele, “linguagem é uma habilidade complexa e especializada, qualitativamente igual em todos os indivíduos”. Todas as pessoas possuem capacidade linguística de formular pensamentos complexos e refinados. Acrescenta que cada um detém “os mesmos instrumentos para pensar. No que diz respeito à forma linguística, Platão caminha ao lado do porqueiro macedônio e Confúcio caminha ao lado do selvagem que caça cabeças em Assam”. Afirmar-se que há uma linguagem correta e uma forma linguística incorreta é uma ideia antiquada e elitista. Ilusão perniciosa a de que os integrantes da classe trabalhadora só conseguem usar linguagem simples e grosseira. As professoras antigas, que ensinam gramática, “não passam do braço linguístico de um poder colonial – a classe média – que oprime aquele que, de outro modo, seria um populacho muito mais livre e feliz”. Corrigir erros de português é uma descriminação que pode gerar intensificação de complexo de inferioridade. Não concordo. Mas parece que a maioria parece concordar. “Tipo tá ligado?”. Publicado no Blog do Fausto Macedo/Opinião/Estadão Em 30 07 2022 voltar |
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