Compartilhe
Tamanho da fonte


DEMOCRACIA PEDE SOCORRO
Acadêmico: José Renato Nalini
O momento angustiante em que os que são pagos pelo povo para defender a convivência pacífica e harmônica são os que incitam a violência, semeiam o ódio, desqualificam as instituições.

Democracia pede socorro

O TRE – Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo, ora sob o comando do Desembargador Paulo Sérgio Brant de Carvalho Galizia, celebrou os noventa anos de criação da Justiça Eleitoral e lançou o livro “Voto é Memória”. É uma publicação valiosa e oportuna. Valiosa, pois o objetivo é retratar a imagem da democracia brasileira em São Paulo, entre 1932 e 1965 e oportuna, porque os inimigos do Estado de direito ganham desenvoltura ante a passividade com que a população absorve toscas tentativas de golpe, hoje agravadas com o insensato armamento dos amigos da violência.

A solenidade foi aberta pelo Presidente do TRE, magistrado sereno e culto, cuja trajetória na Justiça bandeirante é uma sucessão de êxitos. Em seguida falou o ex-Presidente Carlos Eduardo Cauduro Padin, em cuja gestão se idealizou a edição do livro, cuja iconografia é muito expressiva. O Secretário da Justiça e da Defesa da Cidadania, Fernando José da Costa, lembrou seu pai, o jurista Paulo José da Costa, Mestre das Arcadas e da Universidade de Roma. Reforçou a tese de que a opção dos brasileiros é pelo Estado de direito de índole democrática. Não se pode tergiversar nisso, sob pena de aprofundamento do evidente retrocesso em todos os ângulos, notadamente o desrespeito à ordem constitucional.

O organizador da obra, José D’Amico Bauab fez uma tocante oração, lembrando-se de todos os que colaboraram na pesquisa, coleta de materiais, oferta de ideias e de voluntariado, tudo o que permitiu a obtenção do belo resultado. Ressaltou a inspiração permanente do último dos Príncipes dos Poetas Brasileiros, o inolvidável Paulo Lébeis Bomfim, que há três anos deixou a vida terrena, mas legou um patrimônio imperecível, a sua poesia e a emocionante prosa que rescende patriotismo paulista.

Dois poemas de Paulo Bomfim foram declamados, um deles pelo notável Pedro Paulo Pena Trindade, uma das referências na declamação, arte hoje negligenciada, mas na qual o Brasil já foi destaque há poucas décadas. Ao encerrar a cerimônia, o Presidente Paulo Sérgio anunciou que o TRE instalará um Centro de Memória Paulo Bomfim, pois a contribuição desse paulistano eminente para manter acesa a chama da “Pátria Paulista” é incomparável.

Faltam mais enfáticas manifestações como essa, a demonstrar que o amor à democracia é algo entranhado na alma tupiniquim. O silêncio dos bons estimula os maus a ganharem desenvoltura em sua insanidade. Foi muito importante frisar que um dos frutos permanentes da Revolução Constitucionalista de 1932 foi a criação da Justiça Eleitoral, um caso de sucesso exportável, o que recentemente foi reconhecido pelos Estados Unidos, considerado o campeão da democracia nas Américas.

A mocidade não tem sido treinada a defender esta liberdade que, de tão natural, não é prestigiada como deveria sê-lo. Ser livre para se deslocar, para se exprimir, para apoiar ou desapoiar, é um valor intangível sem o qual não existe vida digna. É que a liberdade, como o oxigênio, é tão imprescindível e tão natural, que só é notada quando ausente.

Foi São Paulo que, assumindo o risco de ficar sozinho – como de fato ficou – optou pela Constituição. Ainda há pouco, ouvi que “ninguém morre pela Constituição”. Mas gente de brio e de elevado nível cívico, morre, sim, pelo pacto nacional. Sem ele, a vida passa a ser animalesca, vegetativa, indigna da condição humana.

O fenômeno é universal. Sempre invoco o insuspeito testemunho de Luc Ferry. Ele comenta que em sua infância, quando a professora perguntava à classe quem seria capaz de morrer pela França, praticamente todos os alunos levantavam o braço. Hoje, em França e em quase todos os países, essa pergunta não se faz. Se fora feita, causaria embaraço ou até deboche. Mas existe um amor que não desapareceu: o amor dos pais pelos filhos e dos filhos por seus genitores. Isso mostra que o amor é um sentimento resgatável e que serve também para defender a Pátria, a família amplificada.

O momento angustiante em que os que são pagos pelo povo para defender a convivência pacífica e harmônica são os que incitam a violência, semeiam o ódio, desqualificam as instituições, portando-se de forma ignominiosa, faz com que as pessoas de boa vontade coordenem ações como a realizada pelo prestigiado Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo. Que este sentimento inocule as consciências sãs – estas ainda existem e, acredito, ainda são a maioria – para que reajam à bestialidade e imponham um “basta” ao golpismo nazi-fascista que teima em mostrar suas garras. Recorde-se que a higidez da democracia reclama a eterna vigilância, um dever imprescritível da lucidez que precisa prevalecer. Assim como o bem vencerá o mal tentacular e persistente, se nos inspirarmos em nossa bela história. Hoje parcialmente recomposta pela Justiça Eleitoral bandeirante.

Publicado no Blog do Fausto Macedo/Opinião/Estadão
Em 23 07 2022



voltar




 
Largo do Arouche, 312 / 324 • CEP: 01219-000 • São Paulo • SP • Brasil • Telefone: 11 3331-7222 / 3331-7401 / 3331-1562.
Imagem de um cadeado  Política de privacidade.