Compartilhe
Tamanho da fonte


É LAMA OU AREIA MOVEDIÇA?
Acadêmico: José Renato Nalini
Falta imersão brasileira na ética, verbete mais retórico do que observado

É lama ou areia movediça?

Como explicar a permanência da praga da corrupção, que persiste apesar de todo aparato normativo que se produz neste Brasil de forma tão prolífica? Prega-se contra esse mal insuscetível de desaparecer, pese embora a atuação do sistema Justiça, muita vez ineficiente, pois impregnado de invencível anacronismo.

Dir-se-á que isto faz parte da natureza humana. Recorra-se a Cícero, que proclamava: "Subtrair algo a outro e que o homem aumente seu benefício com o prejuízo de outro é mais contrário à natureza do que a pobreza, do que a dor, do que tudo o demais que pode acontecer ao corpo e aos bens externos. Pois, sobretudo, acaba com a vida em comum e com a sociedade humana. Se nos acostumarmos a cada um despojar o outro para conseguir sua própria vantagem, se desagregará a convivência humana, que é o mais conforme que há com a natureza".

Não foi apenas Marco Túlio Cícero quem lamentou essa chaga. Ésquilo acusava o poder, fonte de todos os males: "Tu, ó poder, de nada te compadeces. És capaz de toda ousadia!". E Armínio Fraga reconheceu: "Onde tem poder, existe potencial de corrupção, inclusive no setor privado, já que a corrupção não é monopólio do governo". Todos conhecem a expressão de Lorde Acton: "O poder corrompe e o poder absoluto corrompe absolutamente". Teria razão Honoré de Balzac ao dizer que "o poder emana do dinheiro e em seu nome será exercido"?

A questão cultural é fundamental. Existe estranha tolerância quanto a práticas nocivas como essa. Tomás de Aquino foi preciso: "quem poupa o lobo condena as ovelhas".

Um Brasil de iletrados luta pela sobrevivência e pouco se interessa por assuntos complexos e sofisticados, como o combate à corrupção. Falta imersão da população brasileira - toda ela - na ética. Verbete mais utilizado em retórica do que observado. A matéria-prima de que mais se ressente o país e tão relegada na prática.

Para acabar com a corrupção, haveria necessidade de valorizar a educação de berço. A mãe, primeira mestra, é a responsável pelo chamado "currículo oculto", aquele que enfatiza as palavras mágicas, que vão desaparecendo dos hábitos dos jovens, como o "obrigado", "por favor", "desculpe", "com licença", e também - por que não? - "não tire nada de ninguém", "não se aproprie de coisa alheia", "não tire vantagens", abandone a filosofia do "jeitinho".

Se essa base vier de casa, será mais fácil incutir valores na escola. É impossível aos professores, principalmente da escola pública, fazer com que seus alunos introjetem um pensamento ético, se isso nunca foi ouvido em sua casa. É sabido que há um certo desalento do corpo docente em relação aos modos e hábitos de estudantes que chegam sem polidez alguma às salas de aula.

É uma proposta ambiciosa, aparentemente utópica. Mas tem fundamento na própria Constituição da República, principalmente no artigo 205. A educação, direito de todos, é dever do Estado e da família, em colaboração com a sociedade. O Estado reserva recursos suficientes para esse investimento. Mas a família ainda não ofereceu tudo o que pode. E é obrigação sua. É responsabilidade dos pais fornecer à prole o melhor destino. E este reside na educação.

Uma educação de qualidade inibiria condutas deletérias como o da corrupção, que tem inúmeras formas de se exteriorizar. Por enquanto, ela prospera. O que nos faz pensar se estamos falando em lama ou em cruel areia movediça.

Publicado no Jornal de Jundiaí/Opinião
Em 21 de Julho de 2022



voltar




 
Largo do Arouche, 312 / 324 • CEP: 01219-000 • São Paulo • SP • Brasil • Telefone: 11 3331-7222 / 3331-7401 / 3331-1562.
Imagem de um cadeado  Política de privacidade.