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A SAÚDE DO IMPÉRIO
Acadêmico: José Renato Nalini
O que lhe sobrava em caráter, cultura e fervor patriótico, parecia lhe faltar em higidez física. Pedro II era epiléptico.

A saúde do Império

O período de maior estabilidade política brasileira foi o longo reinado no segundo império, pois o poder era titularizado por um estadista que nenhum outro governante conseguiu superar. Mas o que lhe sobrava em caráter, cultura e fervor patriótico, parecia lhe faltar em higidez física. Pedro II era epiléptico.

A história registra que às oito e meia da noite de 4 de outubro de 1833, ele caiu gravemente enfermo, com febre e convulsões. Detectou-se a síndrome de que seu pai e avós paternos, desde D. João V, foram vítimas várias vezes. Era o segundo ataque de natureza epiléptica, a renovar-se pela terceira vez a 23 de março de 1849.

No dia seguinte, o “Jornal do Comércio” noticiou com alarde e minúcias, a pretexto de bem informar o público sobre a saúde do menino Imperador. O Parlamento – então a Assembleia Legislativa – alarmado, enviou comissão de deputados para saber melhor o que ocorria.

O sobressalto no Palácio foi grande e a indústria de boatos prosperou. Falou-se em limonada envenenada, preparada pelo próprio tutor, José Bonifácio de Andrada e Silva. O injustiçado Patriarca da Independência, em colóquio com os diplomatas, queixou-se dos partidos políticos, que se valiam do episódio para semear discórdia e mostrar a sua real intenção: empolgar o poder.

O ministro francês entendia que o sintoma nervoso era devido à falta de higiene e de exercícios físicos do Imperador. Os antigos exigiam, para a educação dos moços, a caça, a marcha, os exercícios militares, o lançamento de disco e dardo, o uso do arco. Pedro II só passeava um pouco na Quinta da Boa Vista. Nada mais se reclamava de seus músculos.

Sua natureza não era a de seu pai, mais espanhol, dado a impávidos movimentos físicos. Ele era mais a mãe, D. Leopoldina, melancólica e serena. O Imperador, descrito pelo embaixador francês, era uma criança loira, forte, cuja feição lembrava a Casa da Áustria. Era todo um Habsburgo. Inclusive por sua tendência ao isolamento e estudo. Nunca se inclinou a cavalgadas ostentosas, ao contrário do pai, estribeiro e centauro, endurecido nas disparadas com seus cavalos, sempre ao ar livre. Enfrentava com chicote na mão os funcionários relaxados e os tumultos da rua.

As características da Imperatriz Leopoldina foram herdadas por Pedro II. Demasiada atenção a leituras e pouco cuidado no trajar. Ao se tornar mãe, tornou-se tão negligente de sua pessoa tanto dentro de casa como fora. O filho varão incidiria nas mesmas preferências, ostentaria idênticos desmazelos e imperfeições. Não se preocupava com a aparência. Usava cartola arrepiada, casaca enxovalhada e unhas sujas.

O embaixador francês, St. Priest, depois de ter comparecido a uma reunião íntima no Paço Imperial, comunicou à sua chancelaria a impressão que tivera do menino que assumiria o Brasil em 1840: “esta noite me foi dada a ocasião de observar o jovem Príncipe e suas irmãs. Ao Imperador não parece faltar vivacidade: tem um ar bonachão, é muito natural, mas a sua tez não anuncia sanidade”.

O diplomata quis conversar com o menino e indagou quais eram os objetos principais de seu estudo. Ele respondeu: geografia, história, idiomas e a Constituição. Não praticavam qualquer exercício físico durante os seis meses do ano que eles permanecem na cidade.

De qualquer forma, o embaixador elogiou o tutor José Bonifácio: “Malgrado as falhas desta educação, eles – (o príncipe e suas irmãs) – não estariam em melhores mãos do que as de José Bonifácio, que lhes oferece excelentes princípios morais, políticos e que lhes anima a terem excelente disposição para com a França”.

Pior do que o descuido para com a saúde do Imperador era o clima reinante no Paço Imperial, a fervilhar depois da abdicação do proclamador da Independência. A tutoria exercida por José Bonifácio irritava seus inimigos. Pedro I escrevia à antiga preceptora, D. Mariana, que fizesse “guardar o decoro devido aos meus filhos, e não permita de maneira alguma que pessoas desconhecidas, mal-educadas ou de conduta equívoca tenham trato ou conversação com elas”.

O pai sabia, por experiência própria, quanto o Paço era acessível a personagens interesseiros, de trato grosseiro ou de nenhuma compostura. O poder atrai todo tipo de criatura. Mais atuantes e desenvoltas são aquelas animadas pelo mal. Imagine-se o que se passava por mentes contaminadas pela ambição, ao constatar que uma pessoa com setenta anos – o que era considerada uma idade mais do que avançada – era a responsável pela formação do novo Imperador. Tudo o que se poderia fazer para tornar malsucedida a tutoria se fez e com sucesso.

Para as doenças do espírito não existem vacinas confiáveis. A epilepsia não era a enfermidade que deveria preocupar o menino Imperador. Eram os outros males, o câncer da prepotência, a cupidez por cifrões, a “aurea sacra fama”, o delírio de grandeza e de poder. Disto, o Brasil não se livrou e nada indica se livrará.

Publicado no Blog do Fausto Macedo/Opinião/Estadão
Em 21 07 2022



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