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Acadêmico: José Renato Nalini A melhor celebração dos 90 anos de 1932 é resgatar o orgulho bandeirante. Reencontrar a capacidade de indignação.
Onde foi parar a coragem de 1932? A data de 9 de julho de 1932 registra momento histórico de extrema importância. Impressionante a semelhança entre aqueles dias e os que estamos vivenciando em 2022. Àquela época, São Paulo já se tornara o Estado-membro em que o futuro chegara fagueiro. Sua indústria florescia. Os imigrantes trouxeram civilização a uma cultura provinciana, arcaica e ainda colonial. Dez anos antes, os jovens paulistas deram o seu grito nacionalista para que literatura, artes plásticas, música, arquitetura, fotografia e cinema contemplassem temas genuinamente brasileiros. Justamente por isso, o restante do Brasil se propunha refrear São Paulo. A revolução de outubro de 1930 colocara o arbítrio no poder. Seis anos antes, em 1924, São Paulo fora metralhada pelas forças federais. Os jovens, sempre os moços da “velha e sempre nova Academia”, enxergavam longe e exigiam tão somente respeito em relação aos paulistas. Na noite de 23 de maio de 1932, marcharam até à sede da Legião Revolucionária situada na Praça da República. Foram recebidos a bala de fuzis e metralhadoras. Morreram os jovens cujos prenomes forneceram as iniciais da sigla MMDC, que reverberou no autêntico brio de uma gente intimorata e passou a simbolizar a inevitável luta paulista. E a que luta se entregaram os brasileiros de São Paulo? Era o retorno ao Estado de Direito. Este sagrado território não era uma terra sem lei. Os paulistas queriam uma Constituição democrática. O ditador Vargas impunha uma série de humilhações ao povo bandeirante, que não estava acostumado a sofrê-las. Ao contrário, cada paulista era impregnado de justo e legítimo orgulho. Foi daqui, deste chão, que partiram os conquistadores de fronteiras que nos permitiram atingir esta dimensão continental. Foi aqui proclamada a Independência. Daqui saiu a melhor educação republicana. O ciclo militar do golpe de 15 de novembro de 1889 foi interrompido com a presidência extraordinária de três paulistas: Prudente de Morais, Campos Salles e Rodrigues Alves. Traído pelos Estados irmãos que prometiam solidariedade, São Paulo lutou durante três meses e nunca se viu, nesta terra, tal coesão de todas as gentes, tamanha solidez e fraternidade entre todas as pessoas. Formou-se uma só família, cada qual fazendo a sua parte. Crianças, mulheres, professores, engenheiros, médicos, operários, padres e pastores. A Igreja participou ativamente, assim como a indústria, até o Judiciário. O Presidente do Tribunal de Justiça era o notável Manoel da Costa Manso, que dirigiu veemente pronunciamento ao povo, já estava desperto pela voz poderosa de Ibrahim Nobre, o “tribuno da Revolução”. Sem armamento, sem munição, sem táticas que pudessem oferecer resistência a todas as forças nacionais, unidas contra São Paulo, o povo paulista perdeu. Perdeu vidas, perdeu importância política – vide o Parlamento Federal, em que até hoje somos subrepresentados – mas a sua tese foi vencedora. Cabe aqui explorar o chavão da “vitória moral”. O ditador foi obrigado a aceitar a Constituição de 1934, uma das mais democráticas que o Brasil já produziu. Embora a pretensão a golpes resistisse e tivéssemos que aceitar o “Estado Novo” com a “Polaca” de 1937. O que existe a ser celebrado em 2022? A similitude do clima brasileiro, que guarda íntimos pontos de identidade com 1932. Existe, é verdade, uma Constituição, até chamada “Cidadã”. Mas ela é continuamente vilipendiada, em quase todos os seus dispositivos. Exemplos disso dariam mais do que um volumoso livro. Mas basta citar o artigo 225, que ao ser redigido foi considerado a mais bela norma fundante gerada no século 20. A “potência verde” conseguiu, nos últimos três anos, ser convertida em “Pária Ambiental”, uma perda reputacional que envergonha o brasileiro de bem. Assim como deveria fazer corar estátuas de nossos próceres, o fato de trinta e três milhões de irmãos passarem fome diuturnamente, enquanto o Parlamento se devota a “orçamentos secretos” e a Fundos Partidário e Eleitoral. Além de mergulhar com o que lhe resta de alma, na consolidação da matriz da pestilência chamada reeleição. A melhor celebração dos 90 anos de 1932 é resgatar o orgulho bandeirante. Reencontrar a capacidade de indignação. Ter coragem de existir compostura, ética na política – (terrível desafio esse! Não será uma utopia?…) – e destemor para chamar as coisas pelo seu verdadeiro nome. Se em 1932 éramos tão corajosos, onde foi parar essa coragem? Publicado no Blog do Fausto Macedo/Opinião/Estadão Em 09 07 2022 voltar |
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