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Acadêmico: José Renato Nalini Sem bairrismo, nossas escolas e nossas instituições deveriam investir nesse patrimônio de valor incalculável, que é a história de São Paulo em todos os seus aspectos.
A glória bandeirante O nonagésimo aniversário da Revolução Constitucionalista de 1932 suscita reflexões e oportuniza ocasião de mostrar à juventude de 2022 que há motivos bastantes para se orgulhar de São Paulo. A dádiva de ter nascido aqui ou de ter escolhido este chão para a trajetória existencial de algumas décadas. Não nos é permitido mais nesta peregrinação. Talvez os olhares externos tenham condições favoráveis à melhor percepção do fenômeno paulista. Richard M. Morse escreveu sua “Formação Histórica de São Paulo” no emblemático ano de 1954, em que a metrópole completava seus quatrocentos anos. Escreve ele que seu livro identifica e correlaciona, embora de modo assistemático ou impressionista, algumas das principais causas e manifestações do crescimento centrípeto da maior cidade da América Latina. Dentre elas, o papel político a cada dia mais importante da cidade, a completar suas funções administrativas; a sua função de foco, ou ponto mediador para o contato comercial e ideológico com países estrangeiros; a atração da aristocracia rural pela residência urbana e a participação em atividades políticas, empresariais e administrativas; o papel do espírito urbano liberal e racional no sentido de comercializar, especializar e dar um cunho técnico à agricultura, bem como substituir o trabalho servil por um proletariado rural. Mais ainda, o desenvolvimento dos mecanismos urbanos de crédito, que provocam o enfeudamento comercial dos domínios rurais. Falava em construção de uma rede de estradas de ferro e de rodagem, abrindo-se em leque a partir da metrópole. São Paulo reflete a atração maciça de imigrantes e se caracteriza por um processo diferencial de assimilação dos nacionais e dos estrangeiros. É a maior cidade italiana fora da Itália, a maior cidade japonesa fora do Japão, e assim com Portugal, com a Coréia, com a China, com o Líbano e a Turquia. Ainda é Meca dos latino-americanos que são barrados na grande democracia do norte. Sua história de lutas e de coragem a fez detentora de um cosmopolitismo urbano, como disposição de espírito que aguça a sensibilidade dos artistas e intelectuais no sentido de definir a identidade cultural da sua região e do seu país. Assumiu o papel de cidade geradora de forças econômicas e originou a apropriação sem plano nem ordem das zonas suburbanas e projetando energias desorganizadas até os confins de uma vasta interlândia. O fantástico crescimento paulista fez com que houvesse mutação dos valores luso-coloniais. Agora pode ser detectado um tipo mais condicionado pelo êxito, mais universalístico e igualitário. Esta “insensata metrópole” já foi chamada megalópole, diante da conturbação. A ordem urbana extravasou os limites da cidade e a emendou com outros municípios. Isso dificulta a visão social e o planejamento passa a ser uma utopia, diante da velocidade com que se alteram as ocupações territoriais. Quem diria que em 1554, José de Anchieta escrevia: “De janeiro até o presente tempo permanecemos, algumas vezes mais de vinte, em uma pobre casinha feita de barro e paus, coberta de palhas, tendo catorze passos de comprimento e apenas dez de largura, onde estão ao mesmo tempo a escola, a enfermaria, o dormitório, o refeitório, a cozinha, a despensa; todavia, não invejamos as espaçosas habitações, de que gozam em outras partes os nossos Irmãos, pois Nosso Senhor Jesus Cristo se colocou em mais estreito lugar”. Esse “estreito lugar” alargou-se e permitiu que milhões se acotovelassem, todos de certa forma sobrevivendo e infensos a desordens, balbúrdias ou grandes confrontos. Aos poucos, embora lentamente, a população paulistana vai se educando. Aprendendo na dificuldade. O metrô parece um milagre de convivência pacífica. Ainda nos horários de pico, milhares de usuários caminham sem se esbarrar, numa espécie de silêncio obsequioso. A absorção das diferenças é gradual. Assimila-se a minoria, enlaçam-se as raças, prevalece, ainda que inconscientemente, a concepção de que todos somos iguais. Nada nos separa, tudo nos une. Parece incrível que nesta imensidão ainda exista quem passe fome, que se multiplique a população de rua, que haja difuso temor da violência. Mas é um solo abençoado, onde coexistem três das melhores Universidades Públicas brasileiras e inúmeras outra mantidas pela iniciativa privada, que reconhece a valia da educação na consolidação de uma raça. A glória bandeirante merece mais louvores. Sem bairrismo, nossas escolas e nossas instituições deveriam investir nesse patrimônio de valor incalculável, que é a história de São Paulo em todos os seus aspectos. Publicado no Blog do Fausto Macedo/Opinião/Estadão Em 09 07 2022 voltar |
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