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Acadêmico: José Renato Nalini O mundo perdeu em 4 de julho de 2022, um homem singular, ético e predestinado. Dom Cláudio Hummes, verdadeiro franciscano em modéstia, humildade e singeleza. Um privilégio ter sido contemporâneo seu.
Dom Claudio Hummes (1934-2022) O mundo perdeu em 4 de julho de 2022, um homem singular, ético e predestinado. Era gaúcho de Montenegro, onde nasceu em 8 de agosto de 1934. Já a os dezessete anos ingressava na vida religiosa, tornando-se franciscano. De 1952 a 2022, exerceu um sacerdócio à luz dos ensinamentos de Francisco de Assis, o homem do milênio, eleito por pensadores religiosos, agnósticos e ateus. Chegou a ser um dos brasileiros mais influentes junto à Santa Sé, assim como Dom Agnelo Rossi. Exerceu a missão de responder pela Arquidiocese de São Paulo, uma das maiores e mais difíceis de todo o planeta. Foi Prefeito da Congregação para o Clero e, ao lado de todos os que o pranteiam, os índios perdem um autêntico amigo. Sua atuação junto aos povos indígenas o levou a posturas corajosas, principalmente quando o preconceito invoca supremacia branca e se recusa a aceitar que os “verdadeiros donos da terra” eram os indígenas aqui estabelecidos há milhares de anos. Preservadores do nosso patrimônio natural, de nosso verde e de nossa biodiversidade, que a “civilização” extermina sem piedade e com crudelíssima perseverança. Dom Cláudio Hummes foi Presidente da Comissão Episcopal da Amazônia, da CNBB – Conferência Nacional dos Bispos do Brasil e da Conferência Eclesial da Amazônia. Durante o Sínodo para a Região Pan-Amazônica, realizado em outubro de 2019, enfatizou a relevância de se assegurar os direitos dos povos indígenas, aos quais “devem ser restituídos e garantidos o direito de serem protagonistas de sua história, sujeitos e não objetos do espírito e da ação do colonialismo de ninguém”. Para convencer os corações empedernidos, Dom Cláudio mencionou que os índios ajudavam a preservar a Floresta Amazônica, objeto de atenção e angústia de todo o mundo civilizado, e cuja destruição levou o Brasil – da privilegiada condição de “promissora potência verde”, a ser “pária ambiental”. Simples, objetivo, conciso e claro, sua importância na redemocratização fez História, pois foi Bispo de Santo André e intercedeu junto à ditadura em favor do operariado oprimido e na permanente luta pelo reconhecimento de direitos trabalhistas formalmente vigentes desde a década de quarenta. Ganhou repercussão internacional a notícia, veiculada pelo próprio Papa Francisco, de que Dom Cláudio Hummes foi um dos influenciadores de sua eleição ao trono de Pedro e responsável pela escolha do nome Francisco. Disse o próprio Pontífice: “Ao meu lado, nas eleições, estava o arcebispo emérito de São Paulo e prefeito emérito da Congregação para o Clero, cardeal Claudio Hummes, um grande amigo. Quando a situação ficava um pouco perigosa, ele me consolava. Quando os votos chegaram aos dois terços, começaram a aplaudir, porque o papa tinha sido eleito. E ele me abraçou, me beijou e disse: ‘Não se esqueça dos pobres’. E aquela palavra entrou na minha cabeça: os pobres. Pensei em Francisco de Assis”, explicou o Papa em 2013. Tenho um episódio personalíssimo com Dom Cláudio. Eu estava empenhado em atender a uma sugestão de Dom Agnelo Rossi, de trazer para a Magistratura de São Paulo o seu sobrinho, advogado e professor Francisco Vicente Rossi, o último “gentiluomo” da Corte Pontifícia, antes da Reforma do Concílio Vaticano II. Talhado para o desempenho da Justiça, só poderia concorrer pelo Quinto Constitucional, classe advocacia. Depois de superar a barreira da OAB e de constar da lista tríplice elaborada pelo Órgão Especial do Tribunal de Justiça, a sua nomeação dependia do Governador Geraldo Alckmin. Conhecedor da religiosidade do governador, liguei para Dom Cláudio, para que ele intercedesse em favor de Francisco Rossi. Durante o diálogo, a ligação caiu. Pensei que Dom Cláudio não quisesse envolvimento num ato do chefe do Executivo. Elaborei uma carta na qual, além de enaltecer as qualidades de meu recomendado, manifestei a minha estranheza na postura aparentemente neutra de um Cardeal, quando havia desenvoltura de outras confissões e instituições na verdadeira corrida de obstáculos em que se transformou o instituto do Quinto Constitucional. Mal recebeu a missiva, Dom Cláudio me telefonou: “Filho! Não sei como me desincumbir dessa empreitada! Nunca fiz isso!”. Ousadamente, indaguei se ele assinaria um ofício cuja minuta encaminharia para sua apreciação. Concordou. Enviou o pedido ao Governador e isso garantiu a nomeação e posse do Desembargador Francisco Vicente Rossi, um dos mais operosos e admirados magistrados bandeirantes. A Justiça de São Paulo é devedora desse gesto magnânimo de Dom Cláudio Hummes, verdadeiro franciscano em modéstia, humildade e singeleza. Um privilégio ter sido contemporâneo seu. Publicado no Blog do Fausto Macedo/Opinião/Estadão Em 05 07 2022 voltar |
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