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Acadêmico: José Renato Nalini Tenho lido mais críticas do que louvores ao chamado “home schooling”. Mas é preciso analisar a proposta com isenção.
É válido ensinar em casa? Sei que esse terreno é minado. Tenho lido mais críticas do que louvores ao chamado “home schooling”. Mas é preciso analisar a proposta com isenção. O ensino domiciliar não é novidade. Era a regra para a nobreza. Todos os herdeiros tinham preceptores e aprendiam as disciplinas necessárias à adequada regência do Estado com professores particulares. Não se pode generalizar e considerar incultos todos os soberanos da Terra. Para alguns pais, a educação convencional não convence. É baseada no adestramento do educando para a memorização de informações nem sempre atualizadas. A busca de dados é hoje disponível e acessível a um clique num dos mobiles dos quais o Brasil dispõe em número superior a trezentos milhões. Será que os responsáveis pela educação não se apercebem disso? Muitos pais consideram-se mais preparados, providos de melhores condições de formar sua prole, do que entregá-la à escola tradicional. Não é destituída de certa racionalidade esta postura. Foi por isso que o Ministro Luís Roberto Barroso considerou a proposta compatível com a amplíssima liberdade assegurada pelo constituinte de 1988 a todos os brasileiros e estrangeiros residentes no país. Quais os argumentos contrários? A ausência de supervisão pedagógica especializada. Como se pode contra-argumentar? Ela pode ser suprida por avaliações periódicas, para aferir os resultados da educação doméstica. Uma boa regulamentação ofereceria parâmetros de qualidade e o argumento seria superado. Falta de convívio social. Algo que também pode ser superado, pois esses pais têm famílias ampliadas, frequentam clubes, professam crenças que congregam os fiéis. Nem sempre a escola é também a responsável por um convívio social hígido e edificante. Há bullying, há descriminação e preconceito. Lamentavelmente, há episódios tristes de violência em estabelecimentos de ensino. Sempre copiamos o que de pior existe em outros países. No caso, os Estados Unidos, campeão das chacinas escolares. Quanto ao receio de incidir em delito de abandono intelectual, precisaria ser obtuso quem viesse a denunciar ou condenar pais que estivessem atentos ao aprendizado de seu filho, propiciando em sua residência o acesso ao conhecimento necessário à consecução dos três objetivos do direito à educação previstos no pacto federativo. O primeiro, estimular o desenvolvimento das potencialidades naturais de cada ser humano, até atingir a plenitude possível; segundo, qualificar para o trabalho; terceiro, capacitar para o exercício da cidadania. Mais de sessenta países adotam o ensino domiciliar. O projeto de lei em curso pelo Parlamento tupiniquim prevê que os pais devem ter nível superior. É uma exigência formal que não tem fundamento insuscetível de críticas. O diploma universitário não significa real aprimoramento cultural, desde que se universalizou o acesso e há uma legião de diplomados que apresentam gravíssimas lacunas no ensino fundamental. Os analfabetos funcionais chegam à Universidade e dela saem com seus “canudos”, que não representam, necessariamente, capacidade plena para ser educador eficiente. Vários Estados já disciplinaram a matéria, mas as leis foram inquinadas de inconstitucionalidade pelos Tribunais de Justiça. Em São Paulo, o Conselho Estadual de Educação aprovou texto em abril de 2021, com definição de diretrizes e regras básicas no caso de aprovação da lei federal. Dentre as exigências está a de matrícula nas escolas municipais ou estaduais, para acompanhamento, que a educação seja ministrada por profissionais com formação na área e a submissão a periódicas avaliações. Num contexto amplo, em que a liberdade é – na verdade – o primeiro e mais relevante direito fundamental amparado pela Constituição, não existe motivo que justifique essa vedação. Pense-se que “liberdade”, no caput do artigo 5º da Carta Cidadã, vem logo após “vida”. E vida, tecnicamente, sequer poderia ser chamada “direito”, pois é pressuposto à fruição de todo e qualquer direito. Tanto assim, que uma expressão intercambiável com o verbete “direito” é “bem da vida”. Liberdade plena abriga a possibilidade de uma educação em casa. Não se pode presumir que os pais queiram criar mentecaptos ou pessoas de status inferior ao egresso da escola. E a pretensão a essa modalidade de ensino deve servir mais de estímulo à educação oficial, para que se torne tão sedutora que os pais não precisem, eles mesmos, cuidar do preparo de seus filhos para a desafiadora e instigante convivência no amanhã. Publicado no Blog do Fausto Macedo/Opinião/Estadão Em 04 07 2022 voltar |
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