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EMOLUMENTOS SEM PENDURICALHOS
Acadêmico: José Renato Nalini
Os pesados encargos a que a população está submetida são suficientes para a manutenção e aprimoramento de serviços gratuitos

Emolumentos sem penduricalhos

O governo gosta de usar a tática de fazer cortesia com chapéu alheio. A mais inteligente estratégia do constituinte de 1988 foi elaborar o artigo 236, que transformou os antigos cartórios em eficientes delegações extrajudiciais. Foi a partir daí a verdadeira revolução no sistema notarial e registral brasileiro. Por atuarem nos moldes da iniciativa privada, puderam modernizar-se, automatizaram-se, usaram das modernas tecnologias que são fruto da Quarta Revolução Industrial e tornaram-se modelo de prestação estatal. Confiáveis, transmitem segurança jurídica e a cada dia se tornam mais céleres, exatamente conforme o exigem sociedade e mercado.

Só que os governos, tanto federal, como estadual, procuram atender a necessidades várias, muitas delas desvinculadas de qualquer conotação com o serviço afeto às delegações, para onerar a cidadania e isentar-se de responsabilidade que é deles, os governos.

Em boa hora, o Supremo Tribunal Federal, num voto do Ministro Gilmar Mendes, declarou inconstitucionais as taxas cartorárias de Goiás, destinadas a órgãos sem qualquer relação com o sistema Justiça.

O artigo 15 da Lei goiana 19.191/15, estabelecia a cobrança extra de mais de 20 sobre os emolumentos pagos aos cartórios. Previa um adicional de 40 sobre as taxas cartorárias, para distribuição entre doze órgãos ou entidades, que incluíam até a Assembleia Legislativa.

No julgamento virtual de 21.6.2022, decidiu-se que as taxas criadas por essa lei somente podem se destinar a Fundos voltados ao aperfeiçoamento de estruturas que sejam essenciais à Justiça. Os emolumentos eram acrescidos de 8 para o Fundo Estadual de Segurança Pública, 3 para o Estado, 2,4 para o Fundo Penitenciário Estadual, 3 para o Fundo Especial de Modernização e Aprimoramento Funcional do Ministério Público, 3 para o Fundo de Compensação dos Atos Gratuitos praticados pelos Notários e Registradores 2 para o Fundo Especial de Pagamento de Advogados Dativos e do Sistema de Acesso à Justiça, 2 para o Fundo de Manutenção e Reaparelhamento da Procuradoria Geral do Estado, 1,25 para o Fundo de Manutenção e Reaparelhamento da Defensoria Pública do Estado, 1,25 para aplicação em programas e ações no âmbito da administração fazendária, 2,5 para o Fundo Especial de Modernização e Aprimoramento Funcional da Assembleia Legislativa e 1,6 para o Fundo Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente.

Embora a destinação desse acréscimo não seja imoral, não é certo onerar a cidadania que acorre aos serviços notariais e registrais para finalidades que devem ser atendidas pelo Erário, não pela população. Esta já paga tributos suficientes para a manutenção da pesada máquina estatal.

A matéria não é nova no STF, que já pacificou a tese de que são hígidas as normas estaduais que destinem parcela da arrecadação dos emolumentos extrajudiciais a fundos voltados ao financiamento da estrutura do Poder Judiciário ou de órgãos e funções essenciais à Justiça.

Com isso, não atendem a esse requisito o Fundo Estadual de Segurança Pública, o Fundo Especial de Apoio ao combate à lavagem de capitais e às organizações criminosas, o Fundo Penitenciário Estadual, o Fundo Especial de Modernização e Aprimoramento Funcional da Assembleia Legislativa do Estado, assim como o Fundo Estadual dos Direitos da criança e do adolescente.

O Ministro Gilmar Mendes também observou que não pode haver destinação dos emolumentos para reforma, aquisição e ou locação de imóveis para delegacias de polícia e aplicação em programas e ações no âmbito da administração fazendária.

A tributação merece interpretação restri.tiva, pois é uma imposição que sacrifica a cidadania. O Brasil já possui um dos mais elevados ônus mundiais quanto à fome fiscal do Estado. Ora, é este, o destinatário de considerável massa de recursos hauridos entre contribuintes que trabalham muitos meses a cada ano para satisfazer os tributos, que deve manter hígidos os serviços pelos quais não pode haver cobrança autônoma.

Os pesados encargos a que a população está submetida são suficientes para a manutenção e aprimoramento de serviços gratuitos, porque públicos e destinados a todas as pessoas. Cobrar taxas adicionais para manter a oferta de prestações obrigatórias do Estado é, efetivamente, incompatível com a ordem fundante. Julgamento auspicioso para a cidadania. Isso desonera, consideravelmente, o custo dos serviços estatais delegados, ao menos para os goianos. Que o exemplo contamine as demais unidades da Federação. Os brasileiros têm direito a uma cobrança justa.

Publicado no Blog do Fausto Macedo/Opinião/Estadão
Em 01 07 2022



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