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Acadêmico: Gabriel Chalita A procissão das palavras trazia um relicário de fotografias de tempos idos e de tempos ainda aguardados.
Era ainda noite, quando acendi o abajur e vi as palavras. Uma a uma acendendo em mim todo o tipo de sentimento. A procissão das palavras trazia um relicário de fotografias de tempos idos e de tempos ainda aguardados. A palavra 'despedida' vinha ao lado da palavra 'saudade'. E as imagens iam construindo, em mim, emoções de infâncias, de festas com sorrisos, de pequenos incidentes regados de cuidados. 'Mãe' é uma palavra que silencia as outras, por um tempo, e que apresenta a palavra 'amor'. Desde os inícios. Saudade de mãe é sentimento explicador de vida. A palavra 'mágoa' é esfriadora de futuros. Vem com outras igualmente pouco convidativas à felicidade, como a palavra 'vingança' e a palavra 'orgulho'. Lembro, então, dos desperdícios de tempo e das servidões de paixões inferiores, quando deixei de sorrir amor para trancar a alma em ressentimentos. A palavra aprendizado vem dançando novidades e apresentando palavras antes desconhecidas e que, agora, a procissão das palavras se satisfazem em satisfazer dias diferentes. Cada novo saber é um novo plantar nas mentes abertas ao florescimento de melhorias no mundo. A palavra 'bondade' oferece alegrias leves e duradouras. Ninguém que compartilha as mãos estendidas se machuca de solidão. E, então, as fotografias de instantes de amor em que o passado foi desenhando desprendimentos e entregas. Entregar ao outro o que sou é vencer a tão terrível palavra 'egoísmo'. Volto à palavra 'mãe' e imagino o amamentar, o embalar, o oferecer a seiva da vida para fazer crescer vida em mim. A palavra 'pai' me silencia barulhos outros e me pacifica por prolongados momentos. Os olhos de meu pai. Nos seus olhos, a palavra 'simplicidade' me lembra Deus. O Deus que meu pai me explicava vivendo o amor. O amor sentimento e o amor ação. Nas ações de meu pai, o mundo da pequena cidade em que morávamos ficava mais bonito. Nas ações de meu pai, a cidade da terra antecipava o que eu entendia do que seria a cidade eterna. A palavra 'amizade' foi abrindo o relicário dos dias frios e aquecendo, em lembranças, quem não partiu. Foram poucos os que permaneceram sem serem solicitados, que permaneceram, por terem compreendido. Que choraram juntos o silêncio da dor. Que sorriram, igualmente, nos amanheceres aliviadores dos medos. Que ouviram como prova de amor. A palavra 'semente' poetizou a esperança com fotografias de tempos que ainda ouso sonhar. O que planto hoje é para fazer vida amanhã. Mesmo no amanhã em que eu não esteja. Mesmo na casa Terra que receba outras vidas diferentes das vidas que hoje conheço. A palavra 'mistério' não me oferece medo, porque nunca desconsiderei a palavra 'fé'. Para onde caminha a procissão das palavras não me é dado conhecer. Para onde caminho eu, carregador de palavras, também não. Mesmo leitor de palavras e frequentador de perguntas, não sei responder de onde vim e nem para onde vou. Sei apenas pouco do que estou fazendo aqui. Nesse acender de abajur, nesse pensar de palavras, nesse contemplar de fotografias e da poesia dos dias que ainda hei de viver, aperto em mim um sorriso bom e embalo, nos meus pensamentos madrugadores de um novo dia, a palavra 'gratidão'. Com ela, sei separar o que deve ser guardado do que deve ser perdoado. 'Perdão', outra palavra que me limpa a alma. Desligo, então, o abajur e aceito a luz do dia me convidando para mais um dia viver. Publicado no site do jornal O Dia, 26 de junho de 2022. voltar |
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