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Acadêmico: José Renato Nalini Talvez a maior carência do Brasil seja de amor. Se os brasileiros de fato amassem a sua Pátria, estaríamos em outro patamar.
Ainda existe patriotismo? Talvez a maior carência do Brasil seja de amor. Se os brasileiros de fato amassem a sua Pátria, estaríamos em outro patamar. Falta amor por parte dos políticos profissionais, falta amor de parte da sociedade inerte e passiva ante os desmandos. É preciso resgatar belas páginas de nossa história, onde são inúmeros os exemplos de patriotismo. Não é preciso invocar Tiradentes, Frei Caneca, José Bonifácio, Antonio Conselheiro ou Zumbi dos Palmares. Há patriotismo quase anônimo. Como o da Condessa de Barral, que merece reverências na celebração dos duzentos anos da Independência. Luisa Margarida Portugal de Barros nasceu em 13.4.1816, em Salvador. Seu pai serviu ao novel Império como diplomata. Denotando a propensão da filha pelo estudo, fê-la devotar-se à leitura até à exaustão. Foi preciso que um médico francês dissesse ao aturdido pai: “Queime todos estes livros! Leve esta criança para Montmorency, compre-lhe um jumento e deixe-a andar na floresta. Bom ar, distração e nada de trabalho: senão matará sua filha como matou o menino”. O filho-varão daquele que viria a ser o Visconde de Pedra Branca, havia morrido de tanto esforço para se aprimorar em todas as ciências. Luisa Margarida foi dama de honra da Princesa Francisca, irmã de Pedro II, casada com o Príncipe herdeiro da Coroa Francesa. Atilada, culta e perspicaz, foi de imensa valia para a princesa. E era muito corajosa. Em 1848, a revolução desterrou o Rei Luis Felipe, a República foi proclamada e as Tulherias invadidas e as dependências reais profanadas. A futura Condessa de Barral foi sozinha em busca dos pertences da Princesa de Joinville e, assustado com seu destemor, o improvisado governador permitiu que ela apanhasse o que deveria ser preservado como lembrança. Seu pai, o Visconde de Pedra Branca, negociara o casamento de seu soberano, Pedro I, viúvo de uma arquiduquesa da Áustria, com uma filha de Eugênio de Beauharnais, a princesa Amélia de Leuchtenberg. Era o primeiro membro da família Bonaparte que, tão cruelmente atingida desde 1815, voltava a um trono. O convívio com a nobreza europeia fez com que o jovem Visconde de Barral, João José Horácio Eugênio se apaixonasse por Luisa Margarida, com quem se casou em 19.4.1837, em Boulogne-sur-Mer. Depois de 16 anos de casados, ainda não tinham filhos. De repente, em 1853, ela engravidou e em 17.2.1854, nascia em Salvador o único filho do casal, Dominique. Exatamente nesse período, uma epidemia de cólera grassava a Bahia. A cada dia, morriam centenas de vítimas. Ninguém ousava socorrer os coléricos e nas casas onde os pais morriam, crianças seminuas ficavam abandonadas. Barral resolveu socorrê-las, em lugar de se refugiar no Engenho do pai. Seu heroísmo foi contagioso. Eletrizadas por tanta coragem e confiança, as mulheres baianas organizaram-se em grupo de socorros. Em poucos dias o asilo provisório estava funcionando. Ela dirigiu pessoalmente o orfanato da Providência, até o dia em que o colocou nas mãos de algumas irmãs de São Vicente de Paula. O pai falecera, o casal se instalara no Engenho São Pedro. Mas Pedro II a convocou para ser preceptora de suas filhas, as Princesas Isabel e Leopoldina. “Não quero ser uma preceptora apenas decorativa, disse ao Imperador; desejo também ensinar algumas coisas às minhas augustas pupilas”. Escolheu História e Geografia, suas matérias favoritas. Incutiu nas meninas a ojeriza à escravidão. Decretara em 1868 que ninguém mais nasceria escravo em suas propriedades. Dez anos antes, decidira que aos sessenta anos, todos seriam alforriados. Mais ainda: teriam direito, enquanto existissem, a alojamento e a alimentação. Em 1880, concedera a liberdade em massa a todos os escravos, sem qualquer condição. Sacrificou uma fortuna em favor de suas ideias humanitárias. Todavia, o que importa uma fortuna material para uma verdadeira cristã, que não poupa sacrifícios para quebrar as cadeias de seus semelhantes? Foi fidelíssima preceptora das duas princesas, até que se casassem, ambas com netos do Rei Luís Felipe. Voltou a Paris para educar seu filho. Tornou-se dama de honra da Imperatriz e foi criada Condessa da Pedra Branca, em 1864, em recompensa pelos oito anos de dedicação e de cuidados consagrados às Princesas Imperiais. Não sobreviveu à tragédia da ingratidão a Pedro II e faleceu em 13 de janeiro de 1891. Sua vida é uma sucessão de heroísmos. Verdadeira patriota. Encontramos similar em nossos dias? Publicado no Blog do Fausto Macedo/Opinião/Estadão Em 24 05 2022 voltar |
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