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Acadêmico: José Renato Nalini A proposta de adoção de uma governança inteligente para o Judiciário ainda causa desconforto. Mas é preciso discutir o tema.
Vamos salvar a 1ª instância? O surrealismo do sistema Justiça brasileiro nos empurrou para um inimaginável “quádruplo grau de jurisdição”, motivo da eternização dos processos judiciais e de aflição para os jurisdicionados. Com isso, o juiz de primeiro grau, aquele que tem contato direto com a prova e com os personagens do drama judiciário, ficou bastante reduzido em sua relevância. A volúpia de ver chegar toda e qualquer lide à quarta instância, o STF, – que ampliou de tal maneira sua competência, até se tornar a última palavra em qualquer conflito ou algo análogo a conflito – , tornou a sentença inicial verdadeira “minuta”. Pois será imediatamente submetida ao Tribunal local, corte de passagem, mas com vistas a chegar ao STJ, a terceira instância, e, finalmente, ao STF. Não se pode assegurar quanto tempo levará para que o interessado obtenha uma decisão definitiva. Porque também deverá enfrentar o calvário de um caótico sistema recursal, que permite reapreciação do mesmo tema por dezenas de vezes. A situação passa ao largo das preocupações nacionais. Convive-se no Brasil com tantos problemas e tantos retrocessos, que ninguém mais fala na necessidade da profunda reforma estrutural do sistema Justiça, tarefa que ainda não se fez e continua a fazer falta. Daí a importância de uma dissertação de mestrado elaborada pela juíza Ana Carolina Miranda de Oliveira, sob o título “Governança Judiciária: a política nacional de atenção prioritária ao primeiro grau de jurisdição no CNJ e no TJSP”. Seu orientador foi o professor Marcos Augusto Perez, da FADUSP e integraram a banca de arguição a professora Irene Patrícia Nohara, o professor e desembargador Carlos Alberto de Salles e o autor desta reflexão. A proposta de adoção de uma governança inteligente para o Judiciário ainda causa desconforto. Mas é preciso discutir o tema, como o fez a mestranda. Critica-se o transplante daquilo que é válido e funciona no setor privado, para uma função como a judicial. Tudo se complica diante do antagonismo dos interesses. Há partes cujo intuito é exatamente o de fazer perdurar indefinidamente o trâmite da ação. Como implementar uma cultura de “cooperação processual”, se há polos opostos numa área em que a regra é digladiar, guerrear, derrubar e vencer o adverso? O Judiciário vive uma situação crônica e grave de falta de credibilidade. A governança deveria cuidar também da comunicação e da imagem da Justiça junto à população, principalmente porque a imensa maioria dela é iletrada, não consegue desvendar a complexidade de uma Instituição tão necessária à Democracia. Programas de reforço da identidade, de legitimidade, de administração de crises, não passam pela mente dos inúmeros comandos da vasta rede de Tribunais, com seus cinco ramos de Judiciário e quase vinte mil magistrados. A Justiça ainda enfrenta aquilo que Ana Carolina chama de “processos frívolos” ou “predatórios”, que não precisariam ter ingressado na exaurida máquina judicial. O volume crescente de distribuição de ações e a reiteração de pleitos interindividuais praticamente idênticos faz do juiz um produtor massivo de decisões padronizadas. Há um esvaziamento da criatividade, um exagerado apego à jurisprudência “dominante”, que resta engessada e insuscetível de mudança. Como se o mundo fosse estático, assim como Parmênides queria, e não dinâmico, tal como o enxergou Heráclito. O aporte empírico na dissertação é muito instigante. É com dados reais, com informações fidedignas, que se pode aperfeiçoar as Instituições. A Justiça de primeiro grau tem de ser valorizada. O juiz tem de receber, nas Escolas da Magistratura, a noção de que ele é o mais qualificado a desvendar o verdadeiro cerne do conflito formalizado em processo. Precisa ter coragem para não se curvar, servilmente, à jurisprudência, mas ousar fornecer sólidos argumentos para modificá-la. Uma estrutura que se diz não hierárquica, na prática funciona como produtora de homogeneidade, porque é mais confortável seguir o precedente do que encontrar novas respostas para problemas que também se modificam, ao sabor do dinamismo do convívio social. A máquina da litigância precisa ser direcionada à obtenção de soluções consensuais, para que o Judiciário volte a se converter, de fato, na “ultima ratio”, a derradeira porta a que recorrem os injustiçados. Estudos como o de Ana Carolina Miranda de Oliveira ajudam a pensar no novo papel do Judiciário e como é que ele pode se tornar mais operante, mais eficiente, se vier a dispor de uma governança consistente e confiável. Publicado no Blog do Fausto Macedo/Opinião/Estadão Em 20 05 2022 voltar |
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