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DORES IMPERIAIS
Acadêmico: José Renato Nalini
A celebração dos duzentos anos da Independência brasileira deve inspirar os patriotas a repensar o que se fez no Brasil desde 1500

Dores imperiais

A celebração dos duzentos anos da Independência brasileira deve inspirar os patriotas a repensar o que se fez no Brasil desde 1500, ano em que os portugueses chegaram. Figuras heráldicas perpassaram por nossa História, nem todas elas ainda devidamente lembradas.

Pedro I é um injustiçado, pois era jovem adequadamente preparado para reinar, ao contrário do que se pretende mostrar: um estroina, galanteador e mulherengo, que não teria sabido corresponder às expectativas do Império.

Seu filho, Pedro II, mais injustiçado ainda. Estadista, magnânimo, estudioso, conseguiu fazer do Brasil a monarquia respeitada em todo o planeta. A gratidão que mereceu de seu povo: uma temerária proclamação da República, uma vergonhosa expulsão de sua Pátria, para logo morrer em Paris.

Testemunho de sua qualidade como chefe de Estado e chefe de família, foi convidar a Condessa de Barral para educar suas duas filhas, as princesas Isabel e Leopoldina. A leitura de “Cartas a suas majestades” – 1859-1890, escritas por Luisa Margarida Portugal de Barros, a Condessa de Barral, mostra o apuro na formação dessas duas jovens e pode-se avaliar a dor dos pais, a Imperatriz Tereza Cristina e Dom Pedro, com a morte precoce da caçula Leopoldina.

Acometida de febre tifoide, ela faleceu aos 23 anos, 6 meses e 25 dias de idade, deixando viúvo o príncipe Luís Augusto Maria Eudes de Saxe, então com 25 anos e órfãos quatro pequenas crianças, os príncipes Pedro Augusto, Augusto Leopoldo, José Fernando e Luís Gastão.

Em fevereiro de 1871, a Condessa de Barral escreve ao casal imperial: “Acabo de receber a notícia fatal e com o coração partido da mais pungente dor me atiro nos braços da Imperatriz e aos pés de Vossa Majestade Imperial para chorar com ambos nossa querida filha pois só se eu perdesse meu filho poderia sentir maior pesar. Nem peço desculpa, tudo é pouco para exprimir o que sinto dentro do coração! E eu que Lhes dei a notícia das melhores! Verdade é que o telegrama recebido a 3 dizia que ela tinha piorado no dia 1º, mas que a 2 ia melhor! Oh! Custa muito curvar a cabeça diante de decreto que parece tão injusto. Uma menina e mãe de quatro filhinhos! É horrível. A notícia caiu sobre mim como um raio da maneira a mais cruel. Mando o documento a Vossas Majestades que ainda terão dó de sua pobre criada que banhada em lágrimas Lhes beija a mão”.

Em 17 de fevereiro de 1871, a Condessa de Barral volta ao assunto com os desditosos pais. Agora encaminha cópia da carta escrita pela Princesa Clementina Carolina de Bourbon e Orléans, filha do Rei dos Franceses, Luis Felipe, casada com o Príncipe Augusto Luís Vitor de Saxe-Coburgo-Gotha, Duque de Saxe, sogros da Princesa falecida, D. Leopoldina Teresa.

Escrita em francês, a mensagem é destinada a D.Francisca, Princesa de Joinville, irmã de D.Pedro II: “Que a vontade de Deus seja feita, minha boa Chica: mas o golpe é duro e nós estamos bem infelizes. O estado do meu pobre Gousty (o viúvo) me corta o coração, soluça cada instante, não come, nem dorme, e é uma terrível mudança! Ela o amava tanto! E eram tão perfeitamente felizes juntos! Ver tanta felicidade destruída aos 25 anos é horrível! E estas pobres crianças! – Eu te escrevi sábado, o dia de domingo e o de segunda-feira foram calmos e tranquilos. Ela não abria os olhos: mas ouvia o que se lhe gritasse ao ouvido, e certamente reconheceu a voz de sua irmã, (a Princesa Isabel) pois disse algumas palavras em português. Segunda-feira à noite os médicos acharam uma melhora sensível e nós recobramos esperança. A noite foi calma: mas pela manhã de terça-feira o peito foi tomado e às 10 horas os médicos declararam que não havia mais esperança e entretanto eu ainda dela cuidei nesse longo dia passado junto de seu leito, vendo-a tão calma e tão pouco mudada: mas pelas 4 horas a respiração tornou-se mais curta. O Abade Blumel recitou as orações dos agonizantes. Nós estávamos todos ajoelhados em torno de sua cama e às horas a respiração cessou, sem que se visse a menor contração na sua fisionomia. Ela estava mesmo bela nesse momento, e tinha uma expressão angélica. Agora está deitada num caixão vestida com uma roupa de seda branca, uma coroa branca e seu véu de casamento na cabeça. Está toda cercada de flores frescas, de coroas enviadas por todas as Princesas. Ela não mudou, faz bem olhá-la. Amanhã haverá cerimônia religiosa em casa e ela partirá para Coburgo onde nós todos a acompanharemos, inclusive Gastão e Isabel que são muito bons. Esta última está desolada. Anunciam-me o Imperador, abraço-te, reza por nós, temos disso muita necessidade. Toda tua, Clementina”.

Pois também isso suportou o casal Imperador do Brasil. Como se a vida de soberanos fosse um desenrolar incessante de festas, glórias, pompas e circunstâncias!

Publicado no Blog do Fausto Macedo/Opinião/Estadão
Em 17 05 2022



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