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Acadêmico: José Renato Nalini O “penso, logo existo” cartesiano parece manifestar-se de forma distinta entre os vários tipos humanos.
Da irracionalidade humana Chega a parecer pretensiosa a postulação de uma racionalidade nos animais sapiens, quando se verifica o grau de insensatez de tantas posturas com as quais convivemos. O “penso, logo existo” cartesiano parece manifestar-se de forma distinta entre os vários tipos humanos. Quando se assiste ao fanatismo com que se defendem teses surreais, como o terraplanismo, as teorias conspiratórias que enxergam o mundo civilizado pretendendo dominar o Brasil, aqui introduzindo ideologias perigosas, a negação à ciência com a recusa à vacina, chega-se a duvidar de que a espécie de fato se distinga dos irracionais. São tamanhas as evidências de que as pessoas parecem ter perdido o juízo, que o psicólogo canadense Steven Pinker, depois de realizar um curso online, para discutir o fenômeno, acabou por escrever um livro: “Racionalidade. O que é, por que parece estar em falta. Por que é importante”. Ele está disponível, editado pela Intrínseca e nele se lê: “Nessas primeiras décadas do terceiro milênio, enfrentamos ameaças letais à nossa saúde, à nossa democracia e à habitabilidade de nosso planeta. Embora os problemas sejam intimidantes, existem soluções; e nossa espécie dispõe da capacidade intelectual necessária para encontrá-las. Contudo, entre nossos problemas atuais está o de convencer as pessoas a aceitar as soluções quando de fato chegarmos a elas”. Capacidade intelectual debilitada, quando as pessoas não se convertem a uma reação consistente, cada vez mais urgente, no trato com a natureza exaurida. Será que ninguém percebe que o maior perigo que a vida terrestre já enfrentou no longo percurso por este planeta, deriva da ação inclemente do bicho-homem sobre o seu habitat? Se antigamente se dizia “daqui a cem anos a Terra correrá perigo, se não formos mais prudentes no uso dos recursos naturais finitos”. Hoje, assiste-se e sofre-se de imediato o resultado de nossa insanidade. Secas acabam com a colheita do agronegócio. Inundações acabam com vidas preciosas. Deslizamentos de terra, desbarrancamento, casas destruídas, estradas, equipamentos urbanos. Não é algo inevitável: é consequência direta dos maus tratos e da ignorância que rege o mundo consumista, egoísta e insensível dos fabricantes de deserto e dos exterminadores do amanhã. Será que ninguém atina com a falência da educação, que continua a patinar em inócuo adestramento de crianças que perdem a criatividade e a imaginação, quando são obrigadas a decorar informações? Numa era em que um clique em qualquer mobile responde com eficiência, atualização, colorido e música a qualquer pergunta, por que insistir em aulas prelecionais uniformes, se os destinatários são multiformes? Não é possível deixar de lado as competências socioemocionais e fazer de conta que alguém aprende se decora uma informação e é capaz de repeti-la nas previsíveis avaliações, a preocupação maior dos governos, que querem “fazer bonito” nos rankings da desenfreada competição em que o Brasil mergulhou. O resultado desse fragílimo sistema de ensino-aprendizagem é o despreparo dos formados para o desempenho de qualquer atividade que lhes garanta sustento e dignidade. Já houve época em que se dizia que o “diploma abre portas”. Hoje, há diplomados às pencas disputando cargos inferiores na estrutura estatal que cresce despudoradamente e que faz com que o gasto público sufoque a mínima capacidade de investimento. Ninguém consegue enxergar que o adolescente detectou a falência do Ensino Médio e a evasão é galopante? Uma escola que não atrai, que não seduz, que é repetição insossa e cansativa de conteúdos ultrapassados, não segura o jovem que ainda sonha e se desencanta com o que lhe é oferecido. Tudo evidente, a mostrar que a criatura “racional” se especializou, neste melancólico Brasil, em fabricar desertos. Desertos que substituem exuberante natureza, eliminam a biodiversidade que geraria recursos infinitos e desertos mentais, pois embora os orçamentos para a educação pública sejam vultosos, a falta de diretriz e responsabilidade os dissipa levianamente. Dois exemplos, embora eloquentes, da irracionalidade que prospera e que faz chegar ao topo – a todos os topos – exemplares significativos da indigência ética, do descompromisso com o bem comum, com a desenfreada busca de poder, riqueza e fama. Será uma visão destorcida do real? Gostaria de argumentos que me contrariassem. Não perdi ainda a capacidade de sonhar e de nutrir utopias. Publicado no Blog do Fausto Macedo/Opinião/Estadão Em 29 04 2022 voltar |
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