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O ‘R’ DO BRASIL É DE RETROCESSO
Acadêmico: José Renato Nalini
De nada adianta o STF reconhecer que nossa ordem fundante sagrou o princípio de vedação de retrocesso. Na triste prática tupiniquim, a história é outra.

O ‘r’ do Brasil é de retrocesso

O mundo civilizado acordou para o maior perigo que a humanidade corre em nossos dias: as mudanças climáticas resultantes do aquecimento global. Sabe-se perfeitamente qual a gravidade dos riscos, sente-se na pele as consequências que já ocorrem e não são promessas futuras, tem-se perfeito diagnóstico. Países adiantados tomam suas providências. Aqui, o caos se instaurou com o extermínio da floresta, com a grilagem de terras públicas, com a exploração de minérios em áreas indígenas demarcadas ou que já deveriam ter sido também destinadas ao habitante original da terra.

Santa inveja de países como a Holanda, cuja ex-Ministra do Meio Ambiente, Jacqueline Cramer, ficou encarregada de implementar a transição do modelo produtivo linear para a decantada economia circular. É providência inteligente, que países com governantes lúcidos já adotaram. O propósito da economia circular é reduzir a inclemente utilização de recursos naturais finitos e também o desperdício, ou a produção que mais prospera em territórios atrasados: o lixo.

Desde 1979 a Holanda adotou a política inteligente de gestão dos resíduos sólidos, que em lugar do mero descarte, pensa nos 3 primeiros “Rs”: reduzir, reutilizar e reciclar.

Em lugar disso, o Brasil não reduz o desmatamento, ao contrário: amplia a construção de desertos. Não reutiliza, pois a cultura do desperdício faz com que haja gastança crescente e tudo é descartável. Inclusive as pessoas. E não recicla o quanto poderia e deveria.

A reciclagem pífia que existe no Brasil não deriva de consciência ecológica apurada. Ela é mais um índice da miséria que acometeu vasta percentagem da população que antes era “invisível”, mas que a pandemia escancarou. Os informais, os desempregados que já perderam a esperança de obtenção de uma carteira assinada, os moradores de rua, os desprovidos de perspectiva. Os abandonados da sorte.

Não há rua que não tenha aquela figura quase sempre esquálida, com um saco às costas, remexendo latas ou os grandes recipientes plásticos de lixo. À procura de latinhas, de garrafa pet e, infelizmente, até de comida.

Enquanto isso, a Holanda, desde 1980, criou programas de reciclagem para mais de trinta tipos de material. Na década de 1990, as empresas receberam estímulo adicional para implementar o ecodesign, um desenho ecológico para todos os produtos.

Foi a lucidez de Jacqueline Cramer, que ao assumir o Ministério do Meio Ambiente holandês conseguiu unificar as estratégias de gestão de resíduos com a produção ecológica. É isso a economia circular: desde a extração até o descarte, tudo é pensado, reaproveitado, não há desperdício. Aliás, sintoma de país subdesenvolvido é a perda de alimentação, de resíduos que são economicamente aproveitáveis e a existência de “lixões”, o suprassumo da ignorância miserável.

A ex-ministra se autointitula “corretora da transição”, pois estuda e propaga a circularidade, um caso emblemático de sucesso. Não há comida jogada no lixo holandês: tudo o que não é consumido é transformado em aditivos aromatizantes e em biogás. Aqui no Brasil, temos a indústria das caçambas. Na Holanda, cimento e concreto de demolições são reutilizados e o setor têxtil só trabalha com materiais sustentáveis.

Na Holanda, ex-Ministra do Meio Ambiente é chamada pelo governo para essa reforma cultural que já deu exitosos resultados. No Brasil, ex-Ministros do Meio Ambiente são obrigados a se posicionar para alertar a população – em sua maior parte iletrada – de que estamos dilapidando uma fortuna, antes mesmo de conhecê-la por inteiro. Esta nação que já foi promissora promessa verde, viu-se convertida na humilhante posição de “pária ambiental”. Nefasta era em que esse título foi considerado elogioso por servidor pago pelo povo para defender seus interesses.

Aos três “Rs” iniciais – reduzir, reutilizar e reciclar – outros “Rs” foram surgindo, proporcionalmente ao acréscimo de consciência ecológica. Reinventar, por exemplo. Por que não fazer as coisas de que necessitamos, com materiais sustentáveis? Redesenhar objetos com vistas à economia de insumos. Reformar em vez de jogar fora.

Lá na Holanda, a cultura dominante é o conceito “do berço ao berço”, significando o recomeço, num ciclo em que nada se perde, tudo se reaproveita. O contrário é a cultura “do berço à cova”, ainda prevalente no Brasil, com a “cova” simbolizada pelos “lixões”, pelos aterros sanitários que poluem os lençóis freáticos e até o tão decantado aquífero Guarani.

Uma lástima reconhecer que o “R” que mais representa o Brasil de hoje é o de “Retrocesso”. De nada adianta o STF reconhecer que nossa ordem fundante sagrou o princípio de vedação de retrocesso. Na triste prática tupiniquim, a história é outra.

Publicado no Blog do Fausto Macedo/Opinião/Estadão
Em 27 04 2022



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