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Acadêmico: José Renato Nalini Impressões de viagem são sempre pessoais. Flagrantes captados por temperamentos e sensibilidades distintas.
Vocês concordariam com ele? Impressões de viagem são sempre pessoais. Flagrantes captados por temperamentos e sensibilidades distintas. Raramente há coincidência nas impressões colhidas por visitantes de um mesmo lugar. A mente humana é múltipla e complexa. Essa a riqueza a ser explorada de infinitas maneiras. A viagem que Alexis de Tocqueville fez à América e que originou seu clássico livro “A Democracia na América”, ainda hoje repercute. Não mereceu idêntica receptividade o livro “Diário de minha viagem à Filadélfia” de Hipólito José da Costa, o patrono da Imprensa brasileira. Mas é um livro bem interessante. Deve ser lido. Primeiro, porque é de um brasileiro muito jovem. Nascido em Sacramento, em 1774, logo que formado em Coimbra, foi encarregado pelo Conde de Linhares a viajar à Filadélfia, nos Estados Unidos. A viagem durou de 1798 a 1799 e o registro é minucioso, além de instigante. Uma curiosidade: ainda à espera de bom tempo, essencial para a viagem de navio, tomava conhecimento do nascimento daquele que viria, em 1822, a libertar o Brasil de Portugal. Foi em 13.10.1798 que nascia Pedro, o Primeiro Imperador do Brasil. Hipólito tinha de se apropriar das técnicas da agricultura já desenvolvidas na América, para implementá-las em Portugal. Mostrou-se um naturalista vocacionado. Sabia nomes científicos de todas as plantas e as descrevia com apuro. Mas seu diário é muito mais completo. Frequenta os ambientes oficiais e domésticos dos Estados Unidos. Faz observações muito interessantes. Relata o encontro que os índios tiveram com o Presidente George Washington, com quem celebrariam um tratado. Esses indígenas, “em lugar de escrever o que ouviam o marcavam com umas contas, e depois de o ter referido ao seu chefe vinham com as mesmas contas ou rosários responder a cada um dos artigos, recitando com exatidão tudo quanto tinham ouvido; entre outras coisas, que disseram, sendo perguntados por que razão chamavam suas àquelas terras que eles habitavam, mas que habitavam também os brancos, responderam que eles, ou seus antepassados as tinham recebido do autor da natureza, quando formou o Mundo, e que lhe tocaram em repartição, mas que os brancos os expulsavam delas, obrando contra a vontade do autor da natureza”. Não deixavam de ter razão e idêntica a situação do índio brasileiro. A diferença de cultura entre os habitantes originais da terra e os que chegaram depois justifica o genocídio que até hoje continua? É legítimo ocupar as terras indígenas sob argumento jurídico imposto por quem só tardiamente “achou” terra que já tinha dono? Outra coisa interessante, já observada por Hipólito da Costa no final do século XVIII: Hipólito José da Costa teve contato com um francês, de nome Olive, que vivia nos Estados Unidos havia muitos anos e que lhe disse “que era do caráter americano a ambição e o amor ao dinheiro, assim como a desconfiança, pois que jamais um americano acreditaria a outro, senão supondo que ele algum interesse no que lhe diz, que a dissimulação provinha de um princípio de educação, pois que os pais dizem aos filhos “não digas jamais o que tu pensas”. Ele também analisou o sistema criminal da América. Ali ficou sabendo que, “o castigo deve ter por objeto a emenda do delinquente, e deve ao mesmo tempo subministrar-lhe os meios. Este axioma de moral é a base da conduta das prisões. Os administradores ajuntam a este axioma político que a detenção de um condenado, sendo uma reparação feita à sociedade, não deve esta (enquanto é possível) ser gravada de mais com as despesas desta detenção. Donde resulta: 1) que o regime desta prisão tem em vista de conduzir os seus presos ao esquecimento dos seus antigos hábitos, e à reflexão sobre eles, para a emenda; 2) que a injustiça, o arbítrio e o despotismo são proscritos desta casa; porque eles revoltam e enchem a alma de irritação e de amargura, longe de a dispor ao arrependimento; 3) que os presos são constantemente empregados em trabalhos produtivos, para os fazer suprir aos gastos da prisão, para não os deixar na inação, e para lhe preparar algum socorro para o tempo em que adquirirem a sua liberdade”. Os “inspetores”, cuja função corresponde à dos agentes penitenciários, seriam exonerados se tratassem mal os prisioneiros. Ao contrário, “conversam com os presos, procuram conhecê-los, exortam-nos, consolam-nos, dão-lhe ânimo, e reconciliam-nos com eles mesmos”. Coisas do século XVIII, ainda válidas para o século XXI. Você concorda com essas ideias? Publicado no Blog do Fausto Macedo/Opinião/Estadão Em 22 04 2022 voltar |
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