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Acadêmico: José Renato Nalini Foi-lhe vedado trocar de roupa íntima e ficou a se utilizar da mesma por longos períodos. Novos períodos para que admitisse a prática de delitos que não cometera.
Narrativa da perseguição O patrono da Imprensa Brasileira morreu jovem: aos 49 anos. Mas sua vida se converteria em vários romances. Escreveu vários livros, dois dos quais ainda suscitam enorme interesse: “Narrativa da perseguição”, em que descreve o suplício de ter respondido à Santa Inquisição e “Diário da minha viagem à Filadelfia”, em que narra sua proveitosa visita aos Estados Unidos. Mas o que escreveu durante 1808 a 1822, tempo de existência do seu jornal “Correio Brasiliense”, editado em Londres, daria uma inteira biblioteca. Nascido em Sacramento, educado inicialmente em Porto Alegre e depois em Coimbra, onde se diplomou em Direito e Filosofia, foi encarregado pelo governo português de realizar pesquisas científicas e exercer diplomacia nos Estados Unidos e Grã-Bretanha. Durante sua viagem à Filadelfia, filiou-se à maçonaria e isso atraiu a ira do Santo Ofício português. Embora advertido do perigo que corria, voltou a Portugal em 1803 e foi preso, supliciado e cruelmente torturado. Em 1805, alguns amigos burlam a vigilância e promovem sua fuga. Hipólito, na apresentação do livro, diz que “a narração simples e sem adornos e o chamar a atenção desta nação para tais circunstâncias, considero ser um imperioso dever meu: a lembrança dos horrores que sofri, será para mim o triunfo da inocência sobre a opressão”. Hipólito já tinha lido e ouvido sobre a Inquisição e “julgava que os procedimentos deste Tribunal não tinham já aquele caráter de crueldade, nascida da ignorância do direito criminal de seus ministros, e da insaciável cobiça de se aproveitarem dos bens alheios, a título de confiscação, e esperava que o meu processo findaria com brevidade, lisonjeando-me com a esperança de uma sentença que, fosse qual fosse, me seria grata, só por me ver livre do horror de um cárcere solitário, em que jazia sepultado por tantos meses”. Mas não encontrou essa resposta: “devo confessar, para que sirva de escarmento aos mais, a minha credulidade pueril, esta esperança de achar no Santo Ofício brandura, clemência ou brevidade de processo, em nenhum outro fundamento se estribava, se não na voz popular, que apregoa em toda parte de Portugal que o Santo Ofício está mui mudado; que já se não praticam as crueldades que de antes se faziam, porque o Tribunal é composto hoje de ministros iluminados com os novos escritos, que têm melhorado a jurisprudência criminal, executam com discrição o novo Regimento”. Doce ilusão: “mui vergonhoso me é, porém é verdade, haver eu acreditado, contra o testemunho do mundo sábio e literato, um rumor popular, sem refletir ao menos que este rumor podia ser espalhado pelo artifício dos inquisidores, que tiveram arte para difundir, em todos os tempos, opiniões dirigidas a seus fins e interesses, e de as conservar em crédito por mui dilatado tempo”. Uma tortura psicológica impunha a Hipólito períodos de solitária para que refletisse a respeito de seus crimes. Foi-lhe vedado trocar de roupa íntima e ficou a se utilizar da mesma por longos períodos. Novos períodos para que admitisse a prática de delitos que não cometera. Meses com a mesma camisa branca e só então teriam início as sessões, que começariam dentro em dez dias. A primeira e chamada sessão de genealogia, a segunda “in genere”, a terceira “in specie”. Cada uma durou muitos dias. Na primeira, foi indagado sobre nomes dos pais e parentes, suas naturalidades, estados e idades. Com o acréscimo de ser inquirido sobre se algum parente ou padrinhos de batismo ou crisma já tivessem estado na Inquisição e por quais crimes. O inquisidor exigiu que Hipólito se ajoelhasse perante ele e a resposta foi a de que seu aprendizado em doutrina cristã, era que dos três cultos de latria, hiperdulia e dulia, só a Deus se deveria dar o culto de latria, com genuflexão com os dois joelhos. O Inquisidor insistiu, dizendo que essa era a forma de implorar, com humilhação, a misericórdia de seus juízes. Foram três anos de interrogatórios, prisão em solitária, fome, falta de higiene e de cuidados básicos em relação à sua saúde. Ele se angustiava, pois sabia que se morresse no cárcere da Inquisição, depois de morto haveriam de continuar o processo até final sentença. É interessante a leitura desse livro, para verificar o que herdou o processo criminal ainda vigente, do sistema inquisitório. Há resquícios evidentes. Apenas quem respondeu à Justiça Penal brasileira é que poderá encontrar paralelos. Nada obstante, o Código de Processo Penal, editado na ditadura, foi recepcionado pela ordem democrática instaurada pelo advento da Constituição Cidadã. Coisas de Brasil! Publicado no Blog do Fausto Macedo/Opinião/Estadão Em 21 04 2022 voltar |
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