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Acadêmico: José Renato Nalini As cinzas de Lygia terão por destino o mar. Conforme desejo seu.
Vidas ilustres que se vão A perda de Lygia Fagundes Telles e a polêmica sobre sua data de nascimento me levam a recordar um outro brasileiro ilustre, o jornalista Hipólito da Costa, cuja morte completará duzentos anos em 2023. Não há similitudes entre as duas personalidades, pois Hipólito José da Costa Pereira Furtado de Mendonça faleceu aos 49 anos, no dia 11 de setembro de 1823. Cinco dias depois que o Brasil celebrara o primeiro aniversário de sua independência. Lygia faleceu em 3 de abril de 2022, há poucos dias, portanto. A única semelhança é que ambos eram fervorosos nacionalistas. A comunicação da morte de Hipólito foi transmitida ao governo brasileiro por Antonio Teles da Silva, em 29.9.1823, com os termos que seguem: “Tenho a honra de me dirigir a Vossa Excelência para lhe anunciar que o benemérito Comendador Hipólito José da Costa, havendo sido atacado de uma inflamação intestinal, faleceu em Londres no dia 11 de setembro do corrente mês. Em toda ocasião a morte do referido Comendador fora deplorada pelos amigos, porém no momento atual todo o Brasil há de deplorá-la pela falta que lhe fazem os serviços e as luzes do falecido”. A serviço do Brasil no exterior, Hipólito da Costa, o primeiro jornalista brasileiro, descansa em terra não brasileira. Seus restos mortais estão na Igreja de Santa Maria de Hurley, no Condado de Berckshire. Em modesta lápide de pedra lioz, podem ler-se em inglês os seguintes dizeres: “Sob esta pedra estão depositados os restos mortais do Comendador Hipólito José da Costa, Encarregado de Negócios do Imperador do Brasil, que morreu a 11 de setembro de 1823 com a idade de 46 anos”. Quando se fala em 46 anos, há um erro de três anos. Nascera em 25 de março de 1774. Bem mais sugestiva é a outra inscrição, de um amigo que não se assina, mas que é identificado como sendo o Duque de Sussex: “Dedicada à memória do Comendador Hipólito José da Costa, que morreu a 11 de setembro de 1823 com 46 anos de idade (novamente o equívoco). Um homem não menos distinto pelo vigor de seu intelecto e eficiência e literatura como na integridade de suas maneiras e caráter. Descendia de nobre família do Brasil, e neste país residiu nos últimos 18 anos, durante os quais, por seus numerosos e valiosos escritos, difundiu entre os habitantes daquele extenso Império o gosto pelos conhecimentos e a aferição às artes, que embelezam a vida, o amor à liberdade constitucional, fundamentada na obediência a leis salutares, bem como aos princípios de mútua benevolência e de boa vontade. Um amigo que conheceu e admirou suas virtudes, assim as recorda para proveito da posteridade”. Em 1957, a lápide original, que fora colocada pela esposa de Hipólito, Mary Ann Troughton, já bastante destruída pelo tempo, foi substituída por outra mandada gravar pela Anglo-Brazilian Society. Colocada na entrada da Igreja, por onde passam os fiéis, está coberta, como medida de proteção, por um grosso capacho que ali mandou colocar a Embaixada do Brasil. Tem essa nova placa os seguintes dizeres: “Aqui jaz Hipólito José da Costa – 1774/1823 – Patriota Brasileiro e fundador da Imprensa Brasileira. Através do Correio Brasiliense, publicado de 1808 a 1822, teve participação decisiva no processo da Independência do Brasil – In Memoriam – The Anglo-Brazilian Society”. Observe-se o quão ciosos eram os contemporâneos do criador do “Correio Brasiliense” em eternizar sua memória. Os tempos mudaram, aparentemente para pior. Lygia Fagundes Telles fez mais pela juventude brasileira, com sua literatura instigante, do que autoridades que recebem do povo para cuidar da educação pública. Ela preferiu ser cremada, assim como foi seu filho, Goffredo da Silva Telles Neto. Pensei que talvez quisesse repousar ao lado do pai, Durval de Azevedo Fagundes, sepultado no Cemitério da Ordem Terceira do Carmo, contíguo ao tradicional Cemitério da Consolação. Descobri por acaso, quando visitava o túmulo de meu tio, Monsenhor Venerando Nalini, ali também enterrado. As cinzas de Lygia terão por destino o mar. Conforme desejo seu. Tudo observado pelas netas Lúcia e Margarida, fiéis à vontade da superlativa dama da Literatura Brasileira. Quanto à idade de Lygia, ela é mulher de dimensão atemporal. Perene como sua obra, a ser revisitada enquanto houver vida inteligente neste planeta. Publicado no Blog do Fausto Macedo/Opinião/Estadão Em 18 04 2022 voltar |
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