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Acadêmico: José Renato Nalini O que falta ao Brasil é assimilar a ética ambiental sem a qual a humanidade não terá salvação.
Aula de ética ambiental Como foi bom ouvir o voto da ministra Carmen Lúcia ao iniciar o julgamento da “Pauta Verde” do STF. O que falta ao Brasil é assimilar a ética ambiental sem a qual a humanidade não terá salvação. Caminhamos rapidamente rumo à catástrofe, a despeito dos ufanistas que teimam em afirmar que temos verde em abundância e que é preciso desmatar ainda mais para produzir comida para os animais dos países civilizados. Reconhecer que o Brasil vivencia um “estado de coisas inconstitucional” na área ambiental é um passo de coragem e destemor diante da política antiecológica instaurada no país nos últimos anos. A “soltura da boiada” foi bem observada pela criminalidade organizada, que se esmerou na derrubada de árvores em regiões de preservação, em grilagem de terras públicas, em exploração de minérios nas áreas destinadas aos indígenas. Os verdadeiros “donos da terra”, à luz do direito natural. Quando os portugueses aqui chegaram, encontraram milhões de seres humanos que viviam em paz com a exuberante folhagem e haviam preservado a cobertura vegetal milenar. Bastaram cinco séculos para a desertificação da orla, com a supressão do pau-brasil e depois cultivo predatório de cana-de-açúcar e pasto. Hoje o Brasil se orgulha de ter mais gado do que gente. Carmen Lucia mostrou independência e noção de sua responsabilidade constitucional, quando rememorou a sólida trajetória do Brasil na tutela ecológica, mencionando Paulo Nogueira Neto, o precursor, que participou em 1972 da reunião de Estocolmo e foi peça-chave na conciliação de interesses antagônicos hoje ressuscitados entre agronegócio e ambientalismo. O Brasil já foi chamado “Estado ecológico”, mercê do tirocínio do constituinte de 1988 que elaborou aquela que foi considerada “a mais bela norma fundante” do século 20, ou seja, o artigo 225 da Carta Cidadã. Aclamado como promissora “potência verde”, conseguiu ser rebaixado à categoria de “pária ambiental” e – pasmem! – houve servidor pago pelo povo que se orgulhou dessa condição. Sinaliza o voto de Carmen Lúcia, acompanhado por Ricardo Lewandowski e Alexandre de Moraes, uma tendência à restauração do status ecológico desperdiçado, justamente quando o mundo inteiro passa a levar a sério o aquecimento global. É o exato cumprimento à ordem fundante: “Pela primeira vez no País, a Constituição da República de 1988 tem capítulo dedicado, expressamente, ao meio ambiente, incrustado no título VIII, Da Ordem Social. Nele se dispõe sobre os princípios da dignidade ambiental e da responsabilidade e da solidariedade intergeracional em matéria ambiental e definiu-se a Floresta Amazônica brasileira, a Mata Atlântica, a Serra do Mar, o Pantanal Mato-Grossense e a Zona Costeira como patrimônio nacional. É garantido o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado não apenas à geração atual, mas também às futuras, definindo-se a função ecológica da propriedade”. Tudo explicitado na Constituição Cidadã de 1988, mas alvo de um nefasto retrocesso nos últimos três anos. A guardiã da lei fundamental se manifestou de maneira a não deixar dúvida: “Interpreto o conjunto de normas constitucionais referentes aos direitos fundamentais ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, à saúde, aos princípios que determinam as obrigações estatais e da coletividade para o perfeito cumprimento daqueles direitos com base nos seguintes princípios colhidos do subsistema constitucional ambiental: a) princípio da dignidade ambiental; b) princípio da ética ambiental; c) princípio da solidariedade em matéria ambiental; d) princípio da eficiência ambiental; e) princípio da responsabilidade em matéria ambiental”. O voto fala de cada princípio desses e se torna candente quando proclama: “A natureza obriga. O homem dispõe, a terra se impõe. Desde sempre ouvi que Deus perdoa sempre, o ser humano perdoa às vezes. A natureza não perdoa, nunca. Escravizados homens e natureza desde muito, a civilização concebida e o direito constitucionalizado conceberam a forma de viver e permitir-se viver com a dignidade própria da humanidade. O dominador de homens e bens ambientais, crente senhor de gentes e bens da natureza, é apenas um escravizador. Desumaniza-se ele e a desnatureza provocada a ele responde em cobrança de vidas. A dignidade da vida não é escolha, é via única da humanidade. O mais direito não é, justiça não busca, existência não garante”. Um voto alentado, a evidenciar que a ministra Carmen Lúcia está muito bem assessorada e absorveu a melhor doutrina sobre a ecologia, aquela que melhor exprime a opção do constituinte em 1988. Que tais lições ecoem e contaminem a nacionalidade, às vezes tão apática diante dos crimes perpetrados contra o patrimônio maior desta Nação continental. Publicado no Blog do Fausto Macedo/Opinião/Estadão Em 19 04 2022 voltar |
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